quinta-feira, agosto 27, 2020

Afima, Pereira (Antonio Tabucchi)


"A filosofia parece só tratar da verdade, mas talvez só diga fantasias, e a literatura parece só tratar de fantasias, mas talvez diga a verdade. (...) dê espaço ao seu novo eu hegemônico, deixe-o ser, precisa nascer, precisa se afirmar". Entre efemérides e necrológios que escreve para a editoria Cultural do Jornal Lisboa, o jornalista doutor Pereira, afirma tomar uma limonada enquanto delicia uma boa omelete no Café Orquídea que fica próximo de sua sala de redação situada à Rua Rodrigo Fonseca, onde trabalha sozinho, longe da redação principal do jornal.

Doutor Pereira é um homem solitário, não tem família, não teve filhos e costuma conversar com o retrato da esposa falecida. Quase não tem amigos, a não ser o doutor Cardoso, Manuel, o garçom do Café Orquídea, Monteiro Rossi seu estagiário e a namorada Marta, uma senhora que faz a faxina de seu apartamento ou Celeste a zeladora do edifício onde mora sozinho. "...o senhor vive projetado no passado, o senhor está aqui como se estivesse em Coimbra trinta anos e como se sua mulher ainda fosse viva, se o senhor continuar assim, irá se tornar uma espécie de fetichista das lembranças, talvez comece a falar com o retrato de sua mulher. Pereira secou a boca com o guardanapo, baixou a voz e disse: eu já faço isso, doutor Cardoso. Eu vi o retrato de sua mulher em seu quarto, na clínica, disse, e pensei: este homem fala mentalmente com o retrato de sua mulher, ainda não elaborou o luto, foi isso mesmo que pensei, doutor Pereira", página 119.

A história se passa em Portugal de 1930. Desinteressado por política, doutor Pereira vive com as lembranças do passado. É católico e seu maior passa tempo é escrever os necrológios e efemérides para o jornal que trabalha ou fazer traduções do romance de autores do século 19.  Monteiro Rossi é o estagiário contratado por Pereira e encarregado de escrever os necrológios antecipados de escritores famosos para a sessão de obituário do jornal. Mas o jornalista não fica satisfeito com os textos do estagiário, que se envolve com questões políticas, some por um tempo e um final surpreendente lhe é reservado no seu retorno e abrigo dado por Pereira em seu apartamento. 

É o diretor do jornal, doutor Cardoso que chama a atenção de Pereira para que ele não escreva sobre autores franceses, mas sobre autores portugueses por se tratar de um jornal português. Cardoso também o aconselha a se desapegar do passado e viver mais o presente. "...não está escrito em lugar nenhum que este país seja para o senhor, e depois aqui há lembranças demais, procure jogar no bueiro seu superego e dê espaço a seu novo eu hegemônico, talvez possamos nos ver em outras ocasiões, e o senhor será um homem diferente", página 120.

É o meu primeiro contato com o autor Antonio Tabucchi. O designer gráfico do livro é interessante, a capa traz alguns elementos em alto relevo em referência aos azulejos portugueses e imagens de elementos presentes na rotina do personagem central, Pereira. O livro também apresenta algumas receitas culinárias que aparecem durante a histórias e que são preferências do personagem Pereira. 

No enredo, embora de ficção, o autor também não deixa de pincelar flashes de fatos históricos pertinentes para entender tópicos relevantes e que valorizam a narrativa. A exemplo da referência a dois momentos: o Salazarismo de Portugal (período ditatorial em Portugal, de 1933 a 1974, conhecido como Estado Novo. O termo “salazarismo” se refere a António de Oliveira Salazar, chefe de governo de Portugal nesse período que teve fim com a Revolução dos Cravos e originou a reconstrução da democracia portuguesa), e do Fascismo da Itália (movimento político instituído por Benito Mussolini em 1922. Um governo autocrático, centrado na figura do ditador Mussolini que defendia a superioridade da nação, estado e raça).

A leitura foi bem tranquila, fluiu rapidamente, os capítulos são curtos, que é algo que me atrai muito e a escrita do autor é simples, somente em alguns poucos momentos se revela técnica. Outra característica marcante da narrativa é que o texto, além de se apresentar em forma de um depoimento, predomina também a variação entre o sujeito (Pereira) e o verbo (afirma), fazendo alusão ao título do livro. Por vários momentos o leitor se depara com essa variação nos períodos: Afirma Pereira, ou Pereira afirma ou somente afirma, em que o autor utiliza dessa máxima comum à linguagem jornalistica.

Gostei desse livro do mês de agosto da @taglivros, uma experiência literária agradável que estou vivendo este ano e que até o momento tem sido bastante positiva, que tem me proporcionado a possibilidade de conhecer outros autores, contribuído para ampliar meu conhecimento de mundo, meu vocabulário, minha escrita e também para diversificar minhas leituras. 

Texto e foto: Analítica


A Travessia (William P. Young)

 


"Tony tinha a sensação de estar sendo puxado para cima, como se fosse atraído de forma irresistível em direção a um campo gravitacional suave, porém insistente. A sensação era de ser acolhido no colo materno, e ele não ofereceu resistência. Tinha uma vaga lembrança de ter entrado em uma luta que o deixara exausto, mas agora o conflito parecia desaparecer", página 24. 

A Travessia, William P. Young traz a história de Antony Spencer, conhecido por Tony, um milionário de quarenta e poucos anos, ateu e muito egoísta, que após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), fica um período hospitalizado em coma, longe da família e de amigos. "Com essas lembranças, ele começou  a subir mais devagar, até ficar parado na escuridão absoluta, suspenso em um momento de dúvida. Se Gabriel tivesse sobrevivido, será que aquele garotinho tão precioso teria salvado a existência patética de Tony? Três outros rostos lampejaram em sua mente, três pessoas com as quais havia fracassado de forma grave e terrível: Loree, seu amor da adolescência e duas vezes sua esposa; Angela sua filha, que provavelmente o odiava tanto quanto ele odiava a si mesmo; e Jake...oh, Jake, sinto muito, meu amigo", página 25.

Tony tem a oportunidade de encontrar Jesus e o Espírito Santo e de viver uma segunda chance para reavaliar suas atitudes e conseguir mudança."... o que é velho precisa ser derrubado para que o novo possa ser seguido. Para haver uma ressurreição, é preciso haver uma crucificação, mas Deus não desperdiça nada, nem mesmo as coisas más que nossa imaginação foi capaz de criar durante a existência. Em cada edifício demolido ainda resta muito do que um dia foi verdadeiro, correto e bom, e isso faz parte da criação do novo", página 112.

Nessa tentativa de mudança para melhor ele encontra pessoas que vão lhe mostrar um jeito simples de ver a vida e que podem lhe ajudar a aproveitar a chance para fazer algo de bom a qual lhe foi proposto em uma segunda oportunidade: curar alguém. Apesar de ser uma obra de ficção o enredo mostra a volta por cima do protagonista, e do seu desejo de mudança. outrora ateu, agora ele passa a buscar Deus para lhe ajudar a atravessar o novo momento e conduzir sua alma para um novo caminho. "O que importava naquele momento para Tony era simplesmente estar ali, dentro daquele relacionamento com os dois. Êxtase e tranquilidade permeavam sua alma, uma esperança serena e uma expectativa sem rédeas envolvidas em um manto de paz", página 194.

Embora A Cabana traga um enredo mais interessante e também por ser a obra que assinala o meu primeiro contato com o autor, A Travessia é também uma boa sugestão de leitura, e permite uma avaliação da proximidade e do relacionamento com Deus, além de uma reflexão acerca do nosso papel enquanto seres humanos, sobre erros e acertos e do que podemos fazer pelo outro.

Texto e foto: Analítica


A Cabana (William P. Young)

 


"A grande tristeza havia baixado como uma nuvem, e em graus diferentes cobria  todos os que tinham conhecido Missy", página 58. A Cabana é um convite à reflexão sobre o papel que estamos desempenhando neste mundo. É o tipo de livro que você lê e se surpreende por encontrar direcionamentos que estão bem mais próximos do que imaginamos. Uma proposta de mudança de vida e respostas à indagações tão presentes no nosso cotidiano. Não é por acaso que a obra se tornou um fenômeno de público com mais de dois milhões de exemplares vendidos.

O enredo traz a história de Mackenzie Allen Phillips, um homem que se tornou amargurado pela perda de sua filha caçula Missy. Ela tinha seis anos  quando foi sequestrada e brutalmente assassinada durante um acampamento de fim de semana com a família. "Como em todas as outras situações, o matador não deixara nenhuma pista que pudesse ser seguida, só o broche. Era como se estivesse lidando com um fantasma", página 57.  

Mack sempre se refere ao episódio como a 'Grande tristeza'. Após quatro anos,  ele tem a oportunidade de voltar à cabana, onde tudo aconteceu, para viver um grande momento: um encontro com Deus. "Mackenzie, já faz um tempo. Senti sua falta. Estarei na cabana no fim de semana que vem, se você quiser me encontrar, Papai", página 19. Em conversa com Deus, Jesus e o Espírito Santo, Mack tem a chance de aprender grandes lições na tentativa de crescimento espiritual. "A saída é voltar-se para mim (...)  Os homens por sua vez, acham muito difícil dar as costas para as obras de suas mãos, para sua busca de poder, segurança e importância. Também acham difícil retornar para mim", página 134.

Em certos momentos, o autor também faz alusão à narrativa bíblica para fundamentar alguns trechos do enredo, a exemplo da passagem mencionada em Mateus 14, em que Jesus caminha sobre a água com o discípulo Pedro. "Seus sapatos ficaram molhados no mesmo instante, mas a água não subiu nem mesmo até os tornozelos. O lago ainda se movia ao seu redor e ele quase perdeu o equilíbrio por causa disso. Era estranho. Olhando para baixo, era como que seus pés estavam sobre algo sólido, mas invisível. Virou-se e viu Jesus ao seu lado segurando os sapatos e as meias numa das mãos e sorrindo", página 130.

O crescimento de Mack se dá no decorrer das experiências que lhe são permitidas, a exemplo da oportunidade que ele tem de ser juiz, da aula de voo e de fazer escolhas. "A medida que você cresce no relacionamento comigo, o que fizer simplesmente refletirá quem você realmente é", página 135. Aos poucos Mack vai também se libertando do sentimento de culpa que ainda sente em torno da morte da filha. "Só você em todo o universo acredita que tem alguma culpa (...) talvez seja hora de abandonar essa mentira. E mesmo que fosse culpado, o amor dela é muito mais forte do que a sua falha jamais poderia ser", página 155. O ponto alto da narrativa é quando é proposto ao personagem o perdão ao assassino da filha e o compromisso com o amor a Deus e ao próximo. "Lembre-se, as pessoas que me conhecem são aquelas que estão livres para viver e amar sem qualquer compromisso", página 168.

Distribuídos em 18 capítulos, é uma leitura envolvente contada de forma prazerosa. A primeira vez que li foi há 10 anos, mas desta vez a leitura foi mais intensa, acho que por conta de que eu precisava ouvir mais agora, as mensagens/lições que o livro traz. Mas em suma, o livro traz uma linguagem simples, envolvente e bem criativa para falar de Deus e seus ensinamentos. De certa forma, é também um convite para avaliarmos o nosso relacionamento e proximidade com Deus e para nos questionarmos acerca da nossa missão de vida.   

Texto e foto: Analítica

A leitura sempre pode ajudar!


"Eu sou uma eterna apaixonada por palavras, música e pessoas inteiras. Não me importa seu sobrenome, onde você nasceu, quanto carrega no bolso. Pessoas vazias são chatas e me dão sono", Clarice Lispector.

Em tempos de pandemia a leitura sempre pode ajudar. Vi e essa frase em algum post na internet e tenho colocado em prática. Nos dias que estou em casa tenho aproveitado, além de outras pendências, para organizar aqueles livros que comprei há muito tempo para um dia ler e que estavam empilhados na estante. Confesso que nos dias ociosos, pude ler alguns deles e desbastar um pouco a pilha de livros não lidos.

"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede", Carlos Drummond de Andrade.

Leia! Literature-se!!


Texto e fotos: Analítica

sexta-feira, agosto 21, 2020

Saudades da Vó Si!

 



Oh Vó quanta saudade, que falta a senhora faz! Hoje, 21 de agosto, data de seu aniversário de 90 anos, como queria passar na sua casa antes de ir para o trabalho, para te pedir a benção, te abraçar mais uma vez, fazer um carinho na sua cabecinha branca e lhe arrancar um de seus sorrisos lindos. Mas a vida tem dessas coisas, Deus estava preparando algo melhor pra senhora, longe dessa confusão de pandemia em que vivemos tantas incertezas.

O céu está em festa e os anjinhos comemorando junto, quem sabe enquanto a senhora canta alguns versinhos daquela sua canção de parabéns favorita: "Parabéns nessa data querida, mas um ano de vida que tens, vamos todos cantar pra você, parabéns, parabéns, parabéns".


Oh vozinha, olha por nós aqui embaixo, sempre nos lembraremos de suas gargalhadas contagiantes e do exemplo de mulher forte, guerreira, religiosa, bordadeira e amável. Não deu tempo para te enfeitar de novo e fazer seu ensaio fotográfico... mas talvez o que conforta sejam os registros de tantos momentos vividos ao seu lado.


Outro dia ouvi um depoimento de alguém que acompanhou um amigo enfermo no hospital e ele dizia que não podia fazer muito naquele momento, mas que podia estar ali e 'ser' presente. Acho que esse é o meu conforto. Em seus últimos dias no hospital, antes de sua partida, não pude fazer muito Vó, nem te levar de volta com vida para sua casa como das outras vezes, mas pude estar presente ao seu lado, rezar, cantar pra senhora e segurar sua mão. Jamais esquecerei essas e tantas outras lembranças boas que jamais se apagarão da minha memória ficarão para sempre guardadas com muito amor e carinho, num cantinho bem especial do meu coração.

Saudades!! Te amarei sempre vozinha!!!


Por Analítica

segunda-feira, agosto 17, 2020

A Cabana e A travessia (William P. Young)


Sabe aqueles livros que você escolhe como tentativa de fazer uma busca pessoal e encontrar respostas? É o que senti ao escolher essas duas obras de autoria do escritor canadense Willian P. Young como sugestão de leitura do Analítica para a primeira quinzena do mês de agosto. 

Em meio a um cenário em que vivemos tantas incertezas diante do quadro da pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19), são leituras que tornei bastante oportunas para o meu momento de quarentena. A Cabana já havia  lido mas que gostaria de realizar uma releitura e na sequência, A Travessia, do mesmo autor, que até então estava na minha pilha de livros, aqueles que comprei por compulsão para ler um dia. E como nunca falta oportunidade, esse foi o momento certo.     

Nos dois livros é possível encontrar semelhanças, seja quanto a personagens principais ou mesmo detalhes importantes que norteiam o enredo e por isso optei por fazer uma leitura seguida da outra, tendo em vista que nas duas obras o autor divaga praticamente entre a mesma temática ao relatar acerca de mudança de vida, encontro com Deus e questionamentos sobre amor e livre arbítrio. 


Palavras chave: Busca - Deus - Mudança - Vida - Transformação - Aprendizagem - Lições - Perdão - Desafios 

Texto e fotos: Analítica


Dica de Leitura: Amar, verbo intransitivo (Mário de Andrade)

  “As conveniências muitas vezes prolongam a infelicidade”. Em ‘Amar, verbo intransitivo’, embarcamos com Mário de Andrade, em uma obra cara...