terça-feira, fevereiro 21, 2023

Torto arado (Itamar Vieira Junior)


"O sonho do passado corre feito um rio. Corre nos sonhos, primeiro. Depois chega galopando, como se andasse a cavalo".

Em 'Torto arado', romance de Itamar Vieira Junior, conhecemos a história de duas irmãs Bibiana e Belonísia, que após a tentativa de desvendar um segredo de família, sofrem um acidente, e têm suas vidas para sempre interligadas, a ponto de uma ser a voz da outra. "Aquele era nosso pacto de vida, desde o fatídico dia em que a faca de Donana havia fendido nossa história, decepando uma língua, impedindo a produção de sons, ferindo a vaidade de uma Mãe d'Água, mas unindo duas irmãs nascidas do mesmo ventre, em tempos diferentes, pela vida até aquele instante".

O enredo se passa nas terras de Água Negra, região do sertão baiano, onde o trabalho na lavoura é o principal sustento da família humilde, vítima de constantes abusos dos donos das terras. "[...] naquela terra hostil de sol perene e chuva eventual, de maus tratos, onde gente morria sem assistência, onde vivíamos como gado, trabalhando sem ter nada em  troca, nem mesmo o descanso".

Apesar de todo trabalho escravo e sofrimento, o sonho de ter o próprio pedaço de chão é o desejo que ultrapassa as gerações, e a família mantém firme suas tradições e crenças religiosas, herdadas dos antigos ancestrais africanos e sempre passadas adiante. "Cresci em meio às crenças de meu pai, de minha avó, e mais recentemente de minha mãe. Os objetos, os xaropes de raízes, as rezas, as brincadeiras, os encantados que somavam seus corpos, tudo era parte da paisagem do mundo em que crescíamos".

O romance publicado pela editora Todavia, tem 262 páginas, e é divido em três partes: Fio de corte, Torto arado e Rio de sangue. "Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada". 

Vencedor dos prêmios LeYa, Oceanos e Jabuti, este é o primeiro contato do Analítica com a obra do escritor baiano, que também é autor de outros livros, como Dias e A oração do carrasco. O autor traz uma escrita tão peculiar que nos convida a viajar na narrativa por meio das memórias dos personagens, seus traumas e nos permite uma reflexão de que Torto arado dá margem a uma série de inferências que o torna um romance atual e também interpretado como a voz de muitos que são excluídos e marginalizados. "Sobre a terra há de viver sempre o mais forte".


Por Analítica

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