sexta-feira, maio 26, 2017

Um passeio que terminou em “L”

Foto divulgação

Aquela tarde de domingo já estava findando. Estávamos retornando do distrito de Sítio Grande, a cerca de 15 km da sede do município de São Desidério. Minha irmã mais nova, minha mãe, meu pai e eu. Nosso lazer aquele dia estava garantido. Passeio de caminhão e um bom banho nas águas do Rio Grande que banha aquele distrito. Por volta de pouco mais de 16 horas, meu pai decidiu que já era hora de ir embora, assim evitaria um tráfego maior no retorno para casa, tendo em vista que os outros motoristas sairiam pelas 17 horas.

Eis que no caminho de volta, depois de tanto lhe pedir insistentemente pelo controle do volante, meu pai, que já estava um tanto quanto "alegre", resolveu atender meu pedido, para minha alegria, e surpresa da minha mãe e da minha irmã, que começaram a ficar eufóricas.
Trocamos de lugar, eu e meu pai. Ao assumir a posição de motorista, fui tomada por uma sensação de entusiasmo. Era tudo o que precisava, afinal a carreta estava vazia e pensava ser esta uma boa oportunidade, visto que naquele ano de 2002, tomara as minhas primeiras lições de direção com meu pai. 

Pronto. Estava sentada, coloquei o sinto, apertei a embreagem que, por sinal, estava muito pesada, e engatei a primeira. Acelerei, e nada.  

- O que está acontecendo? Indaguei.

Minha mãe gritou de lá, já nervosa, falando que eu não estava pronta para dirigir caminhão. Mas eu e meu pai riamos muito da situação. Enquanto isso, refiz a sequência sem sucesso. Enquanto insistia na tentativa de fazer a carreta andar para frente, sentimos que ocorria exatamente o inverso, vagarosamente. Minha irmã, também descontente com aquele episódio, de repente olha o retrovisor e aos gritos alerta:

- Cadê a carroceria? A carroceria sumiu!

Ao conferirmos no retrovisor, e após perceber a fumaça provocada pela aceleração dos eixos traseiros, observamos que de fato, só o cavalo mecânico estava proporcionalmente na pista. A carroceria havia descido para dentro do mato, configurando o formato de um “L”, conhecido também como efeito “canivete”. Os risos cessaram, e o silêncio tomou conta da cabine onde estávamos, interrompido apenas pelas broncas da minha mãe, que ficou muito brava.

- Eu falei. Eu falei. Não sei se Ana Lúcia sabe dirigir caminhão!

Descemos do caminhão e ficamos algum tempo olhando o efeito provocado. Olhando uns para os outros no meio do nada. Alguns carros passavam nos dois sentidos, e os motoristas paravam para saber se tinha sido acidente. Eu só queria rir, mas disfarçava e respondia de pronto aos curiosos:

- Fui eu mesma! Afirmei.

Enquanto contemplávamos o efeito “L”, estudávamos a possibilidade de resolver a situação, afinal, se tratava do nosso meio de transporte que agora estava ali, metade dentro do mato e outra na pista. Demorou cerca de uma hora, até passar um caminhoneiro, que se ofereceu para puxar a carreta de dentro do mato utilizando um cabo de aço. Ufa! Estava resolvido o problema, de forma segura. Uma tarde memorável aquela, sem danos ou feridos, mas com uma desilusão: estava finalizada ali qualquer possibilidade de tornar-me uma caminhoneira.

Efeito “L” ou “Canivete” – é provocado pelo travamento do eixo traseiro do cavalo mecânico. Eliminar o freio no eixo dianteiro põe em risco o conjunto e aumenta a possibilidade do “L”.

Texto: Ana Lúcia Souza / Foto: Divulgação                              

terça-feira, maio 23, 2017

Dia do Santo São Desidério


Pouco conhecido no Brasil, São Desidério, o santo, foi um bispo que viveu na França por volta do ano 607 D.C. A história revela que ele foi decapitado em 23 de maio por professar sua fé católica em Jesus Cristo. A partir de então esse passou a ser o dia destinado a homenagear o santo.
São Desidério, município do oeste baiano, não recebeu este nome em homenagem ao santo europeu. Tão pouco é o padroeiro da cidade, posto ocupado por Nossa Senhora Aparecida. A semelhança foi mera coincidência. Contam os mais velhos que um dos primeiros moradores do ainda povoado foi o fazendeiro Desidério José de Souza. Por ser dono de muitas terras e bastante popular na região, virou referência. As pessoas chamavam o local de fazenda de "Seu Desidério". Com o tempo, o nome passou para São Desidério, emancipado em 22 de fevereiro de 1962.
A relação entre o santo e o nome da cidade permaneceu instigando a curiosidade de muita gente, como Terezinha Brandolis que chegou ao município em 1992. 
Por volta de 1993, foi confeccionada uma imagem de São Desidério, a pedido do então prefeito da época, Felisberto Ferreira dos Anjos, que encomendou a imagem a um artesão em Salvador. Na chegada da imagem ao município, houve procissão até a Igreja Matriz, para onde foi levada. Segundo Felisberto, depois de alguns anos, o santo foi enviado para um artesão em Barreiras para ser reformado.


Seis anos se passaram e a imagem não retornou ao município desencadeando um mistério. 
- O santo sumiu! Comentavam. 
Certo dia dona Terezinha se deparou com a imagem aos fundos da loja de um grande empresário de Barreiras, que o mantinha como enfeite. Era coisa do destino, e por que não dizer uma forcinha do próprio santo? A imagem retornou ao município de origem e permaneceu sob os cuidados de Terezinha até que, em 23 de maio de 2009, a pedido da comunidade, foi levada em procissão para o Abrigo dos Idosos, onde o santo permanece até hoje.

Texto e fotos: Ana Lúcia Souza

terça-feira, maio 16, 2017

Adeus ao meu compadre Manga Rosa



Hoje já faz um ano de sua partida. Na época tive um probleminha técnico e não postei este texto aqui no Analítica. Segue minha homenagem. Ainda sinto muita saudades!!!

Como diz um escritor francês “As pessoas quando vão embora não vão sós. Não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, e levam um pouco de nós”. Assim, Manga Rosa, certamente deixou muitas lembranças dele em nós. Quem em São Desidério não conhecia o Quinca Manga Rosa?
Joaquim Ferreira dos Reis, nasceu em 26 de julho de 1953, na localidade de Roçado Velho, o terceiro filho do casal José Ferreira dos Reis e Rosa Francisca de Castro, que tiveram ainda cinco filhos: Maria, Ilda, Ana, Silvio e Guiomar. Foi no Roçado Velho onde Quinca, como era tratado carinhosamente pelos irmãos passou a infância, adolescência e cursou até o Ensino Fundamental, antigo ginásio.
Por volta dos 18 anos começou a trabalhar na M Teixeira, empresa que realizou o canal de irrigação que liga São Desidério a Barreiras. Foi nessa empresa que recebeu dos colegas de trabalho o apelido de Manga Rosa, devido ao semblante rosado de seu rosto.
Morou em Goiânia por um tempo onde fez muitas amizades. De lá foi trabalhar no garimpo no rio madeira em Porto Velho por aproximadamente dois anos. E depois também na Guiana Francesa. Apesar da dificuldade e da distância da família, no período que trabalhou no garimpo conseguiu economias que lhe garantiram viver bem e proporcionar uma vida com conforto a sua família.
Retornando a São Desidério, trabalhou como motorista do Hospital e Maternidade Nossa Senhora Aparecida. Nessa época ele costumava levar muitos pacientes do município para se tratar em Goiânia e Brasília.
Foi em São Desidério que conheceu a esposa Lurdete, e em 1994, nasceu em Brasília seu primogênito, Pablo Henrique, e 1998, também em Brasília, o segundo filho Lucas Henrique. Foi quando comprou uma casa na rua das Palmeiras, nº 327, próximo a residência de seus pais. E em 1999 nasceu seu filho caçula, Gustavo Henrique.

No final dos anos 90 adquiriu sua própria van e passou a fazer linha de São Desidério a Barreiras. Quem não se lembra de suas piadas na van durante as viagens? Dizia ele: - Vocês querem ouvir uma música internacional gente? E ligava o toca fita com a música de Waldick Soriano ou uma daquelas modas bem antigas que gostava. Com ele, as viagens eram sempre bem animadas, regadas a muitas piadas e resenhas que sempre terminavam com uma risada ou por colocar um apelido bem engraçado em alguém.

Enquanto família, era esposo dedicado e um pai preocupado, sempre presente. Foi dele mesmo a missão de ensinar os filhos a dirigir. Muito ligado aos irmãos, em seu último aniversário, que comemorou 62 anos, conseguiu reuni-los juntamente com seus sobrinhos, amigos e pessoas mais próximas em sua casa, para fazer uma das coisas que ele tanto gostava. Tomar sua cervejinha, comer um bom churrasco, contar piadas e é claro, dar boas gargalhadas. Enquanto amigo ele sempre sabia como conquistar amizades para a vida toda, crianças, jovens, idosos, a exemplo da amizade com o médico cubano Júlio César, a quem acolheu quando chegou em São Desidério, como se fosse da própria família. Dos companheiros motoristas das vans com os quais passava muito tempo, ou dos amigos no povoado de Samambaia, onde era sempre bem recebido. Enfim, centenas de amigos. Enquanto vizinho, era aquela pessoa que podíamos contar em todas as horas. Companheiro, amigo, solidário. Não media esforços para ajudar alguém, seja para oferecer dinheiro emprestado, carro para ir ao médico, o que fosse necessário.

No período de quase três meses que passou em tratamento em Goiânia recebeu muitas visitas, fruto das inúmeras amizades que conquistou. E mesmo durante esse tempo, vez ou outra não deixava de soltar suas piadas. Ao explicar as reações do tratamento, certo médico lhe disse que seu cabelo poderia cair. E ele respondeu brincando. “É bom que nasce outro melhor”. Nesse período, ele fortaleceu ainda mais sua fé em Deus. 

Sempre teremos a imagem do semblante do homem de pele rosada com óculos estilo aviador, a cabeça coberta pelo chapéu, camisa no ombro e que sempre saia de casa mastigando alguma coisa, acompanhado do cachorro Maylon em direção à esquina do ponto das vans, da casa do produtor, na praça Abelardo Alencar, do Comercial Cereais, no bar do Leônidas, onde gostava de se sentar para contar suas histórias e fazer resenhas. Uma pessoa que nunca estava com raiva. Muito simples e brincalhão. A esposa, filhos, irmãos, sobrinhos, parentes, amigos, vizinhos, companheiros motoristas, fica a saudade e as boas lembranças. Descanse em paz meu compadre!


Por Ana Lúcia Souza, em 16/05/2016

sexta-feira, maio 05, 2017

Minhas memórias do Colégio Médici


A década de 70 foi marcada por diversos acontecimentos, entre eles, mais precisamente em 05 de maio de 1977, pelo início da trajetória histórica do Colégio Estadual Presidente Médici, fundado no município de São Desidério - Bahia. Minhas lembranças dessa escola começam por volta de 1993, quando por lá estudei o antigo curso de Alfabetização, que nessa época era ofertado pela unidade de ensino, e no ano seguinte a 1ª série.
Lembro-me da antiga estrutura da escola, onde o pátio era todo coberto, e por ser pouco arejado, o tornava um pouco escuro. Ao fundo desse pátio, do lado direito ficava um bebedouro. As cinco salas tinham a mesma localização atual, e as janelas eram amplas. Onde hoje se encontram os banheiros, havia uma janela da cantina e ao lado, um portão com uma saída para o pátio externo, era nessa área de saída onde os bochechos eram realizados. A entrada da escola até o segundo portão não era coberta e um pé de árvore ficava ao lado de onde se encontra a diretoria, que também sempre foi no mesmo lugar.
Outra recordação, se tratava da hora de chegada à escola. Por conta do cadeado entupido, por vezes ficávamos esperando a solução. Enquanto isso, alguns alunos maiores subiam o muro e saltavam para o lado de dentro da escola. Lembro-me que ia para o colégio com meus irmãos mais velhos Urany e Erivan, e quando lá chegava, o Belo (in memoriam), um dos agentes de portaria, permitia que eu e outras alunas pequenas da minha turma entrassem antes dos outros alunos. Íamos correndo para pegar as carteiras da frente. Foi nesse período entre a Alfabetização e a 1ª série, não me recordo direito, que registre minha foto de Pais e filhos, emoldurada em quadro que por muito tempo ficou pendurado na parede da sala da minha casa. Muitos alunos também tiraram, entre as opções tinha uma roupa preta de cowboy, mas a minha era uma roupa vermelha. Nos dias chuvosos, lembro que a distância do Médici até minha casa, mesmo com algumas paradas pelo caminho para proteger da chuva, fazia com que chegasse em casa com o uniforme todo molhado. Na hora do recreio, todos os dias saía para comprar um doce na venda da Zinha, que ficava próximo à escola. O meu doce preferido nessa época era uma geléia com duas cores: rosa e branco, coberto com açúcar.
Retornei ao Colégio Médici em 1998, quando a escola passou por reforma e ganhou nova estrutura. Neste ano, voltei para cursar a 5ª série e de lá só saí quando finalizei o Ensino Médio em 2004. As recreações em horário oposto, no qual jogávamos vôlei no final da tarde aos comandos da professora de educação física Vera Lúcia Oliveira, que também foi minha professora da Alfabetização até a 3ª série. As dramatizações, os recitais de poesias, festas das mães e juninas, além das culminâncias dos projetos com coreografias musicais que passávamos horas ensaiando. Do canal descoberto em frente à escola onde  brincávamos de correr atras dos colegas.

Ao longo da caminhada de quatro décadas, muitos personagens contribuíram para a solidez dessa história, contribuindo para a formação de milhares de adolescentes e jovens. Não poderia deixar de citar meus mestres: Maria do Socorro por quem fui muito influenciada a gostar do hábito da leitura, por meio da literatura brasileira, e pelas dramatizações dessas obras, motivo pelo qual por vezes, existiam até certas disputas saudáveis entre os grupos em sala de aula. A professora de matemática Maria das Virgens, mesmo que nunca gostasse da disciplina, aprendi a ver a matéria de outro jeito. Da dramatização que fizemos de um telejornal na disciplina da querida professorinha Autina, apresentação que de certa forma influenciou na escolha do jornalismo como profissão. Dos forrós que marcavam as aulas de educação física da professora Kédma Portela. Do GV (Grupo de Visualização) e GO (Grupo de Observação), nas aulas de geografia da professora Denise, além do vídeo de caráter cômico, que fizemos em sua disciplina sobre Desmatamento na cidade. Outro episódio que recordo, foi um dia na aula de redação da professora Zoraide. Estávamos no 3º ano do Ensino Médio, em uma das salas, que existia um cobogó direcionado para a rua, quando ouvimos um barulho bem alto. A meu entender se tratava do desabamento da última sala do colégio, que ficava ao lado de onde nos encontrávamos. Afinal, alguns anos antes, o teto de uma das salas já havia sinalizado desmoronar. Lembro de ter pego minha bolsa, que estava vazia, pois os materiais estavam em cima da mesa, e me levantado para correr, mas fui impedida pela Zoraide que ficou na porta. Enquanto isso, a diretora Claúdia passava calmamente pelo pátio e os outros colegas permaneceram sentados. Rimos bastante depois ao saber que o barulho se tratava de uma caçamba que estava descarregando pedras na rua ao lado. Essa mesma situação aconteceu em 2016, na mesma sala, só que agora eu estava no papel de professora e desta vez, todos os alunos se levantaram e saíram da sala correndo. Não consegui impedir. Entre tantos outros professores, que fizeram parte desta história, na minha época de estudante, Annanísia, Luíza Feitosa, Eliete, Wilton, Vanesca, Reginita, Verinha Guimarães, Renata, Vanderlino, Suely, Nivaldo Júnior, Elizineth, José Marques, Marcelo Latta, Maria Glícia, Nélia Carvalho, desculpe se esqueço o nome de alguém, minha gratidão e respeito a cada um.

O Médici também foi o lugar para fazer novas amizades e fortalecer laços com algumas pessoas que já conhecia, que se tornaram grandes amigos para a vida toda. Waléria Tatiara, Vinícius Rocha, Édem Samuel, Saionária, Wilma, Keila Michelly, Ricardo, Eduardo, Priscila Katarina, Leidiane, Maurício, Elane, Katrina, Mayla, Paulo Ricardo, entre outros, e nem imaginava que dentre os colegas, estivesse também a pessoa que conheci no último ano do Ensino Médio, com o qual 10 anos depois viria a se tornar meu companheiro.
Em 2015 tive a oportunidade de voltar à escola, agora no papel de professora, oportunidade que se repetiu em 2016, e que me influenciou a retornar aos estudos e cursar uma licenciatura. Por estas e tantas outras recordações não citadas nessas linhas, é que parabenizo esta escola pelos seus 40 anos de trajetória.

Dica de Leitura: Amar, verbo intransitivo (Mário de Andrade)

  “As conveniências muitas vezes prolongam a infelicidade”. Em ‘Amar, verbo intransitivo’, embarcamos com Mário de Andrade, em uma obra cara...