quinta-feira, janeiro 30, 2020

Adeus, Gana (Taiye Selasi)




Essa é a segunda leitura do mês e uma autora que também ainda não tinha tido contato. A obra, que é dividida em três partes: I Partido, II Partida e III Partir, tem como ponto de partida a  morte do patriarca de uma família, Kweku Sai, e a trama percorre para o reencontro dos membros dessa família no velório em Gana após mais de 10 anos. 

O enredo destaca flashes da trajetória de Kweku Sai, um cirurgião ganense e bem famoso, que abandonou a primeira esposa, a nigeriana Folasadé com quem teve quatro filhos: Olu, os gêmeos Kehinde e Taiwo e a caçula Sadie. 

Sai morre no quintal da casa onde morava com a segunda esposa Ama. A narrativa é marcada por pinceladas de sentimento de culpa, arrependimentos, saudade, preconceito e traumas.

"Ela ri, olhando para as ruas de Acra. Dois anos imaginando a expressão dele, e agora ela está aqui e seu pai já se foi", página 244.

Esse drama familiar tem por cenário episódios que se passam na África Ocidental, Inglaterra, Londres e Nova York. "...ainda mais agora que há esse desespero mais sólido que seus irmãos não querem mencionar, que não mencionaram uma vez sequer no aeroporto, uma vez no carro, como se não fosse realmente verdade, como se todos estivessem aqui em Gana, onde ninguém jamais esteve, exceto Olu, alguém comentou logo depois de nascer - só por acaso, vindos para o Natal, para as férias em família, e não para o pai, não mencionado e morto", página 251.

Uma narrativa marcada por questões que acentuam também acerca da imigração como forma de ser uma tentativa para um recomeço e construção de família em culturas diferentes.

Embora os membros da família se reencontrem ao final, mesmo sendo por uma ocasião triste, essa é uma boa forma para superar o tempo perdido e tentar um um recomeço diferente e mais feliz. 

"Benson tira a urna de um contêiner  de aspecto oficial e a entrega para Fola com um aceno de aspecto oficial. Ela tinha pensado em lançar as cinzas para a brisa do mar, para deixar o homem livre, terminar onde começou e tudo o mais. Mas agora quando gira a tampa, não consegue fazer isso. A ideia de espalhá-lo parece, de certa forma, errada. Nós nos espalhamos o suficiente, ela pensa. Um vaso quebrado, fragmentos. Mantenha-o dentro, ela pensa, deixe que ele fique inteiro.  Ela gira a tampa de metal de volta e ajoelha-se diante da água. Não olha para os filhos, temendo chorar", páginas 259 e 260.

A escrita da autora é simples, a narrativa não é cansativa e traz uma sequência em que muitas vezes o enredo retoma ao passado dos personagens para tornar compreender melhor o decorrer dos fatos.

Considero que a narrativa de 'Adeus, Gana' chama a atenção para a importância da valorização de coisas simples, como um chamamento para presar pela boa convivência familiar apesar dos encontros e desencontros, de tantos problemas que são tão comuns e que marcam o cotidiano de tantas famílias. 

Palavras-chave: Morte - família - partidas - reencontro - união - superação;

Título: Adeus, Gana
Autora: Taiye Selasi
Páginas: 367
Editora: Planeta


Gênero: Ficção Inglesa


Texto e foto: Analítica

Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Márquez)



Olá, venho por meio deste quadro 'Leitura Partilhada', relatar um pouco sobre uma obra que li recentemente. Cem anos de solidão’ é a minha primeira leitura do ano e também o meu primeiro contato com a escrita de Gabo, como o autor é carinhosamente conhecido. Apesar de estar na minha lista de livros há um bom tempo, somente em setembro do ano passado adquiri a obra para minha coleção e por ter outros livros para ler, só pude agendar leitura para esse ano e agora deixo algumas considerações pessoais que tive do livro.

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou para conhecer o gelo". De autoria do colombiano Gabriel Garcia Márquez, falecido em 2014, a obra publicada em 1967, consagrou o autor ao prêmio Nobel  em 1982. 

Logo no início, é apresentada a árvore genealógica da família Buendía. Esse artifício norteia o leitor, já que o livro conta a história de sete gerações dos Buendía, uma família tradicional que tem como precursores, os primos José Arcádio e Úrsula Iguarán. Ao longo das gerações, a repetição dos nomes dos membros da família é uma constante.




O enredo se passa num lugar chamado Macondo, vilarejo fundado pelos Buendía, apresentando desde o surgimento desse lugar, sua ascensão até a queda. "Macondo era então uma aldeia de vinte casas de pau a pique e telhados de sapé construídas na beira de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos”.

A casa dos Buendía é a mais famosa do lugar e que recebe os visitantes. "Não haverá casa melhor, nem mais aberta a todo mundo do que esta casa de loucos", página 197. Um dos desses visitantes é Melquíades, o chefe dos ciganos, um homem considerado muito sábio que passa a ter contato com a família dos Buendía e ganha até um quarto só para ele na casa. É nesse quarto, uma espécie de biblioteca, que ele vai passar a maior parte do tempo se rendendo aos seus conhecimentos em alquimia ou escrevendo pergaminhos. "Era a história da família escrita por Melquíades nos seus detalhes mais triviais, com cem anos de antecipação", página 444.

As mulheres da família são marcadas por personalidade forte e guerreira, como se pode destacar a matriarca Úrsula, a personagem que mais acompanha essa trajetória histórica, ela morre com mais de 100 anos e vê o desenvolvimento do lugarejo, o nascimento e morte de muitos familiares. "São todos iguais", se lamentava Úrsula. "No começo são muito bem criados, obedientes e responsáveis e parecem incapazes de matar uma mosca, mas assim que aparece a barba se lançam a perdição", página 168.

A solidão faz parte desse cotidiano, onde os personagens sofrem de solidão por alguma forma, como se observa nesse trecho: "O coronel Aureliano Buendía raspou durante muitas horas tratando de rompê-las, a dura casca de sua solidão", página 186. A insônia também é outra característica assinalada em vários momentos da narração, e permite que os personagens oscilem entre o que é real ou ilusão. "Muitas vezes foram despertados pelo flamar dos mortos. (...) e Aureliano Segundo agonizando de solidão no aturdimento das farras, e então aprenderam que as obsessões dominantes prevalecem contra a morte e tornaram a ser felizes com a certeza de que eles continuariam se amando com suas naturezas de assombrações...", página 440.

Histórias de guerra, de perdas, dramas acompanham o enredo. "- Que o coronel Aureliano Buendía fez 32 guerras civis e perdeu todas - respondeu Aureliano". Em alguns trechos da história podem ser contextualizados com passagens bíblicas, a exemplo da própria fundação do povoado que pode ser comparado com o 'livro de Gênesis' e outro em que o autor contextualiza com o 'Massacre das Bananeiras' episódio ocorrido na Colômbia em 1928. "Que o exército encurralou e metralhou três mil trabalhadores, e que levaram os cadáveres num trem de duzentos vagões para serem jogados no mar", página 438.

Realismo Mágico - Foi por meio desse livro que fui conhecer essa corrente artística tão presente na narrativa de Gabo. O Realismo Mágico que surgiu em meados do século XX na América Latina,  tem como característica mostrar o que não é real tornando-o comum. Pode-se destacar que o autor usou esse estilo casando-o até mesmo com uma pitada de bom humor, para relatar algumas histórias absurdas destacadas, a exemplo dos filhos que nasciam com rabo de porco, da mulher que ascendeu aos céus, de pessoas que comiam terra. 

Outra característica dessa corrente bastante presente na narrativa são técnicas inovadoras, como o tempo que a narração de Gabo apresenta na obra, que parece que não passa, como se desse voltas. Não tem uma sequência linear. Gabo brinca com o tempo, e o controla no desencadear dos fatos. "...e começou decifrar o instante que estava vivendo, decifrando conforme vivia esse instante, profetizando a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse se vendo num espelho falado".

Essa é uma dessas histórias em que a compreensão de fato chega somente ao final da obra, quando o autor revela o sentido da história, quando de fato, o último membro dos Buendía decifra os pergaminhos e tem a verdadeira história da família em mãos, que é o resultado final, o livro. "Porém antes de chegar ao verso final já havia compreendido que não sairia jamais daquele quarto pois estava previsto que a cidade dos espelhos, ou das miragens, seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a 100 anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra", página 446.

No início, o prefácio ressalta que Gabo era um contador de histórias. Destaca que ele repetia as histórias que ouvia de seus avós, tios e outros ancestrais e durante a leitura comprovei que a narrativa, ainda que rebuscada em alguns momentos e expressões, predomina-se uma escrita simples pelo próprio recontar de histórias. Ele preenche o enredo que se configura em um misto de várias histórias que vão seguir amarradas para prender a atenção do leitor até o desfecho, utiliza vários artifícios, dramas, humor, superstições entre outros. 

Gostei da leitura e considero um livro interessante, que algum dia as pessoas deveriam ler. Não poderia ter sido a melhor escolha para o meu primeiro contato com o autor e não sei como posterguei tanto tempo essa leitura. Li e recomendo a leitura!

Palavras-chave: Macondo – família – pergaminhos – escritos – história – 100 anos – insônia - solidão - ascensão - queda;

Título: Cem Anos de Solidão
Autor: Gabriel Garcia Márquez
Páginas: 446
Editora: Record
Gênero: Romance Colombiano
Tradução: Eric Nepomuceno

Texto e foto: Analítica

Leituras de Janeiro


Dois autores, duas leituras. Estes foram os livros escolhidos para a leitura do Analítica do mês de janeiro. O primeiro do Colombiano Gabriel Garcia Marquez, 'Cem anos de solidão' e o segundo 'Adeus, Gana', da autora Taiye Selasi. Acompanhe a Leitura Partilhada nas publicações a seguir!

Por Analítica 


sexta-feira, janeiro 17, 2020

Romaria Ecológica de São Sebastião, patrimônio cultural de São Desidério


Fé, tradição, história, encontros e reencontros, farofas, muita animação e rodas de samba formadas ao som de instrumentos rústicos são somente alguns ingredientes que motivam muitos romeiros a participarem todos os anos, no dia 20 de janeiro, da caminhada de aproximadamente 09 km de estrada de chão, da sede de São Desidério ao povoado de Morrão, durante a Romaria Ecológica de São Sebastião. 

Este ano, a romaria chega a sua 21ª edição. A manifestação cultural teve origem em 1999, por iniciativa popular com o intuito de resgatar o percurso que era o único acesso ao povoado na década de 1960  e que foi esquecido no decorrer dos anos com o surgimento de outra via de acesso.   

O trajeto da romaria tem por ponto de partida a Igreja Matriz, na sede, e depois os romeiros seguem em direção a uma estrada de chão até o povoado. Após a chegada em Morrão, tem início uma procissão até a igreja local onde é celebrada uma missa em honra ao santo do dia e também padroeiro da comunidade, e em seguida é servido um almoço comunitário. 

Confira algumas fotos do percurso da romaria. 












Por Analítica

segunda-feira, janeiro 06, 2020

Tradição de Santo Reis no município de São Desidério

Família de reiseiros do município de São Desidério
O dia 06 de janeiro é data em que se comemora o dia de Santo Reis. A festividade tem origem no calendário da Igreja católica, quando rememora o dia em que os três Reis Magos - Belchior, Gaspar e Baltazar - visitaram o recém-nascido menino Jesus, para levar os presentes ouro, incenso e mirra. Em São Desidério, devotos celebram a data há mais de 40 anos com rezas em louvor aos santos, e comemoram com fartos almoços servidos aos participantes. Rodas de samba finalizam a festividade. Acompanhe os depoimentos de alguns devotos dessa que é uma das mais antigas e representativas tradições na sede e zona rural do município.


Sede - Leonízio de Jesus (Di do samba) segue a tradição desde os 12 anos. Ele afirma que aprendeu os cantos com os mais velhos. Há aproximadamente 40 anos, com a ajuda dos foliões ele ajuda a manter a tradição na sede do município. Movido por uma promessa, ele está à frente da organização do grupo que tem indumentária própria e já se apresentaram no município de Barreiras e também para o programa Na carona, da Rede Bahia. “Eu costumava acompanhar as folias de seu Julio Redondo, velho Biú, Geminiano e Chico do Prachedes. A cada ano fazemos essa festa com a ajuda do povo. A gente começa na noite de 24 para 25 e recebo as pessoas em minha casa para o encerramento dia 6 de janeiro”, comenta Di.



Fazenda Carvalho – Lá a tradição é mantida por Necina Maria dos Santos, que acompanhava a avó materna que tirava a folia para Santo Reis no povoado de Tiririca. Ela seguia também o grupo de reis do senhor chamado Júlio (popular Júlio Redondo), que era muito conhecido em São Desidério pelos festejos de Santo Reis. Quando este morreu, lhe passou os instrumentos para que ela e outros foliões dessem continuidade à tradição. Ao som do triângulo, gazarra, bumbo, tambor e da gaita, sempre acompanham as rezadeiras, que participam juntamente com o grupo de São Matias. “Nasci e me criei no reisado. Os cantos que aprendia durante a folia, treinava em casa. A esmola é pouca, mas desde cedo eu vou ajuntando dinheiro, criando porcos, galinhas para fazer a reza e a festa para os foliões dia 06 de janeiro. Muitas pessoas vem participar e é sempre muito animado. Conto com a ajuda de meus filhos e de muitas pessoas. A casa fica cheia e eu muito alegre”, esclarece Necina.


                             


Distrito de Sítio Grande - João Pereira Santos é o líder do grupo de reisado. Segundo ele, os precursores da tradição em Sítio Grande foram Merindo e Nezim. Os participantes do grupo tocam gaitas, tambor, bumbo, rec, viola, além dos cantores. João aprendeu desde cedo a acompanhar os grupos de reisado. “Eu nasci vendo isso, vi em livros e cresci acompanhando. Por onde andamos se fosse agendar não dava. É sempre animado. As vozes tem que acompanhar os instrumentos. A avaliação é positiva. Se acabar isso aqui para mim é mesmo que uma doença, justamente”, relembra o folião.

Derocal - Antônio Batista da Guarda começou a acompanhar a tradição aos 18 anos. O grupo costuma participar na maioria das vezes juntamente com o grupo de Penedo e de outras localidades próximas. “A gente começa a cantar da porta de casa da pessoa e depois entra para tirar a folia. Os cantos mudam. Cada região canta de um jeito diferente”, declarou Antônio.

Penedo - Antônio Vieira Xavier há mais de 50 anos herdou do pai, Geminiano Antônio Xavier, bastante conhecido na sede de São Desidério por ser um dos precursores da tradição de Santo Reis no município.



















Distrito de Roda Velha I - A tradição teve início com o pai do sogro de Nelson Ned Bento da Silva, Aldino Gonçalves da Silva. Nelson sempre conta com boa participação do público. No grupo, cada integrante um usa um lenço durante as apresentações, é o adereço que identifica o grupo. Além da folia de Reis, participam também dos festejos do Divino Espírito Santo. “Infelizmente por parte dos foliões, a tradição vem a cada ano diminuindo. Os mais novos não têm muito interesse em dar continuidade a esse costume”, comentou.

Sítio Novo - Pedro da Conceição aprendeu a seguir a tradição com os familiares e pessoas mais velhas, desde 15 anos. Há mais de 40 anos está a frente da organização do grupo que se apresenta somente no povoado de Sítio Novo. “Quando a folia é pequena a gente faz tudo no dia 6. Tira a folia de dia e a noite faz a reza e depois a festa”, diz Pedro.


                            
AS LAPINHAS – Também no dia 06 de janeiro é o ponto alto da tradição das lapinhas no município. Lapinhas ou presépios natalinos são confeccionados nas casas por pessoas que cultivam a tradição de relembrar e reproduzir o cenário do nascimento de Jesus com cada um dos personagens: São José, Maria, o menino Jesus, os três reis magos, bois, ovelhas, pastores, galos, além de plantas e outros ornamentos que ficam a critério do devoto. A primeira reza na lapinha costuma ser na noite de 24 de dezembro e no dia 06, para finalizar as comemorações, a reza relembra a visita dos três reis magos ao recém-nascido. 

                                        

No município de São Desidério a tradição das lapinhas é cultivada há mais de 70 anos. “Desde pequena via a lapinha que minha madrinha fazia. Me lembro feito hoje. Era uma armação no canto da parede de cima até embaixo. Cheguei em minha casa quis fazer igual, coloquei um caixote e umas bonecas, mas só para brincar. Quando casei em 1950 vim morar aqui na cidade. Então fiz uma promessa para o menino Jesus e fui atendida. Comecei a fazer a lapinha e não parei mais”, revela Sizaltina Dourado de Santana (89).

                              

Assim como Sizaltina, a moradora Maria de Oliveira Dias, também segue essa tradição. “Eu ajudava minha mãe a fazer a lapinha e quando me casei, eram tempos muito difíceis. Me apeguei com o menino Jesus para que não deixasse faltar o sustento para minha família. Então passei a fazer a lapinha em minha casa e nunca fiquei um ano sem cumprir essa promessa. Gosto de seguir pois é uma tradição muito bonita e quero continuar”, complementa a devota.




Por Analítica
Fotos: Blog Analítica / Arquivo Municipal



Dica de Leitura: Amar, verbo intransitivo (Mário de Andrade)

  “As conveniências muitas vezes prolongam a infelicidade”. Em ‘Amar, verbo intransitivo’, embarcamos com Mário de Andrade, em uma obra cara...