segunda-feira, janeiro 03, 2011

Histórias que meu avô contava

Meu avô nasceu em 13 de dezembro de 1921 em São Desidério e viveu até os dez últimos minutos de 31 de dezembro de 2010. A mãe perdeu muito cedo e desde pequeno foi criado com a única irmã conhecida como Bia de seu Adiel, o tio Crispiniano e alguns primos. Ainda pequeno aprendeu a labutar na lavoura sem perder o senso de contador de histórias. Característica marcante de sua personalidade. Afinal, essa era uma das coisas que mais gostava de fazer para passar o tempo, pois histórias era o que não lhe faltavam.

José de Santana, mais conhecido como seu Zé ou Zé Magro. Os causos de seu Zé. Em uma dessas aventuras de sua juventude, ele começava assim. “Quando eu fui no Mato Grosso...”. Ou ainda. “Quando viajei de avião lá pro Sul...”. E aquela outra história, uma das que ele mais costumava contar que começava assim. “Certa feita, quando ia pra roça sozinho, avistei um sujeito me encarando parado no meio da estrada. Eu ia pra uma lado o sujeito ia. Ia pro outro o sujeito me acompanhava. Ao aproximar do cabra cá eu tirei o facão da cintura e cerrei certo na cabeça do camarada. – Uai seu Zé, e o senhor matou o homem? Perguntava quem estava ouvindo o caso. – Que homem que nada moço. O sujeito era um baita de um jaracuçu deste tamanho em pé no meio da estrada”. Explicava ele gesticulando com as mãos e alterando a voz.

Em 1950 casou-se com Sizaltina Dourado de Santana, dona Si, com quem teve cinco filhos: Maria que reside em Goiânia, Alexandrina (Dú), Irany (Nenzinha), Evilene (Preta) e José Filho (Zezinho), que lhes deram 16 netos e sete bisnetos. Foram muitos momentos que passamos juntos, como as comemorações dos últimos dois aniversários em família. Pois somos uma grande família.

Os 60 anos de vida matrimonial celebrados em 11 de junho de 2010 foi sem dúvida um presente divino. A imagem dos dois velhinhos sentados à frente da porta ao entardecer ou indo juntos para a igreja não sairá por tão cedo da nossa lembrança. O chiar das sandálias pela casa e o abrir a porta para não conceder a bênção aos netos pela janela também não.

No dia 31, Deus lhe concedeu o privilégio de ver seus filhos juntos, e dá-lhes a última bênção. Parecia que estava mesmo adivinhando. Quiséramos nós, netos, viver também 89 anos que Deus lhe presenteou com vida e tantas histórias. E são essas histórias que preferimos guardar como suas principais lembranças por muitos anos em nossa memória.

Por Ana Lúcia Souza em 1º de janeiro de 2011

Lapinhas: tradição e fé

O papel de madeira pintado e amassado cobre a estrutura formada com caixas de papelão. Aos poucos a peça ganha o contorno de uma gruta. Cactos, pedras e folhas de barriguda caracterizam a vegetação ao entorno. No ambiente que se cria cada um dos personagens dessa história assume seu lugar. São José, Maria, o menino Jesus, os três reis magos, bois, ovelhas, pastores, galos. O presépio está pronto.

Sizaltina Dourado de Santana, mais conhecida como dona Si faz lapinha há mais de 50 anos. Uma tradição que começou com uma brincadeira e se tornou devoção. “Desde pequena via a lapinha que minha madrinha Ana fazia. Me lembro feito hoje. Era uma armação no canto da parede de cima até embaixo. Cheguei em casa coloquei um caixote, umas bonecas. Só brincadeira mesmo, nem rezava. Quando casei em 1950 vim morar aqui na cidade. Então fiz uma promessa para o menino Jesus e fui atendida. Comecei a fazer o presépio e não parei mais”.

Dona Si relembra cada passo da montagem da lapinha, um processo que tinha início dias antes do Natal. “No dia 13, dia de Santa Luzia, um monte de moças e rapazes ia para os morros aqui em volta para pegar aquelas pedras de lapa para colocar nas lapinhas que eram montadas no dia 24. A cola que se usava para pregar os papéis era uma goma feita de tapioca. Serragem e pó de serraria, plantas, pés de arroz. Terminava colocando os santos. O menino só coloca depois da meia noite do dia 24”.

Nostálgica, dona Si fala com saudade da participação de muitas pessoas no trajeto seguido entre as dezenas de casas que costumavam fazer lapinhas, onde ela e outras mulheres faziam as preces na noite de 24. “Eram muitas casas. A gente saia da igreja entrava na casa da Maria, depois vinha para a casa de Sá Joana, da finada Dora, aqui em casa e seguia. As ruas ficavam cheias de gente, as pessoas iam de casa em casa rezando nas lapinhas, depois tinham os comes e bebes e assim varava a noite, ninguém dormia. Terminava lá no juazeiro na casa de mãe Joana – bairro Tangará. A diversão de Natal aqui eram essas lapinhas”.

Com a participação de poucas pessoas, ainda hoje esse costume é mantido, embora com roteiro bem menor. No dia seis de janeiro, dia de Reis após o meio-dia são realizadas as rezas nas lapinhas. No dia seguinte os presépios são desmontados.


Por Ana Lúcia Souza
Matéria completa publicada no Jornal de São Desidério

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