Nesse livro a autora dá margem a voz de outros personagens que se tornam também narradores. As duas personagens centrais, Sula e Nel, apresentam personalidades totalmente opostas, e desempenham papeis bem diferentes ao longo do enredo marcando o que seria certo conflito entre o conservador e a revolução. Quem é Sula? Uma menina que divide um segredo com a amiga de infância Nel, uma garota que assistiu a mãe se queimar, que colocou a avó em um abrigo, que ficou 10 anos fora de sua cidade natal, cursou faculdade, não se casou, não teve filhos, retornou para sua terra, tirou o marido de outras mulheres inclusive de sua melhor amiga Nel e não ficou com nenhum deles por não conseguir se prender a nenhum vínculo e querer provar que se pode viver do seu modo, ao contrário do jeito imposto por sua comunidade. Do outro lado temos Nel, que é totalmente o contrário de Sula, tem muito medo do abandono e da solidão. "Eu sou eu. Não sou filha deles. Não sou a Nel. Eu sou eu. Eu", página 49.
A comunidade do Fundão estava sempre atenta, incomodada e reprimia cada atitude de Sula por ela ter escolhido ser diferente. Após a morte de Sula, Nel percebeu o quanto sua vida estava atrelada à amiga e o quanto ela fazia falta. Em um certo momento, Nel se dá conta disso e não se sabe ao certo se tratava de algo real ou fantasia, como descreve um trecho da última página. "De repente Nel parou. O olho se contraiu e ardeu um pouco. Sula?, ela sussurrou, olhando para a copa das árvores. Sula? (...) 'A gente foi garota juntas', ela disse como se explicasse algo. 'Meu Deus, Sula', ela lamentou (...) Foi um pranto bom - alto e longo - mas não tinha fundo e não tinha cume, apenas círculos e mais círculos de sofrimento", página 189.
Quanto ao projeto gráfico, o livro traz uma capa que revela muito do que a narrativa posteriormente vem a confirmar. A ilustração de duas mulheres negras, uma com lenço na cabeça que logo se supõe ser Nel e a outra com flores no cabelo fazendo alusão à marca que Sula tem no rosto. E como arremate a imagem dos pombos fazendo alusão ao episódio do retorno de Sula a sua terra natal, marcando a transição da primeira para a segunda parte do livro. "Embora as pessoas em geral se lembrassem de uma época em que o céu ficava preto por duas horas, com nuvens e mais nuvens de pombos, e embora estivessem acostumadas aos excessos da natureza", página 109.
Já tinha interesse em ler Toni Morrison e para surpresa do Analítica a Tag Curadoria proporcionou esse primeiro contato. Essa leitura me instigou para conhecer posteriormente outras obras da autora e entender melhor seu estilo, sendo que na linha de frente da lista já se encontra O olho mais azul (1970) e Amada (1987). "A amizade delas foi tão intensa como repentina. Encontraram consolo na personalidade uma da outra", página 72.
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