quinta-feira, fevereiro 18, 2021

Sula (Toni Morrison)


"Se tivesse tintas, ou argila, ou conhecesse a disciplina da dança, ou cordas; se tivesse algo no que empregar sua tremenda curiosidade ou seu dom da metáfora, poderia ter trocado a inquietação e a preocupação com caprichos por uma atividade que lhe suprisse tudo o que almejava. E como qualquer artista sem forma artística, ela se tornou perigosa", página 140.

Obra indicada para os associados da @taglivros Experiências Literárias, no mês de fevereiro, Sula é de autoria de Toni Morrison (1930-2019), primeira autora negra a ganhar o prêmio Nobel de Literatura, e tem por curadora a escritora Conceição Evaristo. É a terceira leitura realizada pelo Analítica em 2021. Publicado em 1973 e dividido em duas partes, a narrativa transcorre entre os anos de 1919 a 1965, tendo por cenário a comunidade do 'Fundão' localizado em um lugar chamado Medallion em Ohio. A obra conta a história de duas garotas negras: Nel Wright e Sula Peace, ressaltando o cotidiano das personagens fundamentadas com base em questões sociais e políticas que dão o tom da obra e revelam muito o estilo da autora. 



Apesar de ser uma história de ficção, Morrison relata algo comum com tamanha intimidade e naturalidade e apresenta uma narrativa com pinceladas de feminismo negro, sofrimento, cobrança à figura da mulher, utilizando uma linguagem simples, popular e envolvente. Em muitos pontos da narrativa observa-se uma linguagem carregada de descrição. "...talvez visse uma mulher negra de vestido florido dançando um pouco de cakewalk, um pouco de black bottom, fazendo um pouco de 'bagunça' ao som das notas animadas de sua gaita", página 26.


Nesse livro a autora dá margem a voz de outros personagens que se tornam também narradores. As duas personagens centrais, Sula e Nel, apresentam personalidades totalmente opostas, e desempenham papeis bem diferentes ao longo do enredo marcando o que seria certo conflito entre o conservador e a revolução. Quem é Sula? Uma menina que divide um segredo com a amiga de infância Nel, uma garota que assistiu a mãe se queimar, que colocou a avó em um abrigo, que ficou 10 anos fora de sua cidade natal, cursou faculdade, não se casou, não teve filhos, retornou para sua terra, tirou o marido de outras mulheres inclusive de sua melhor amiga Nel e não ficou com nenhum deles por não conseguir se prender a nenhum vínculo e querer provar que se pode viver do seu modo, ao contrário do jeito imposto por sua comunidade. Do outro lado temos Nel, que é totalmente o contrário de Sula, tem muito medo do abandono e da solidão. "Eu sou eu. Não sou filha deles. Não sou a Nel. Eu sou eu. Eu", página 49. 

A comunidade do Fundão estava sempre atenta, incomodada e reprimia cada atitude de Sula por ela ter escolhido ser diferente. Após a morte de Sula, Nel percebeu o quanto sua vida estava atrelada à amiga e o quanto ela fazia falta. Em um certo momento, Nel se dá conta disso e não se sabe ao certo se tratava de algo real ou fantasia, como descreve um trecho da última página. "De repente Nel parou. O olho se contraiu e ardeu um pouco. Sula?, ela sussurrou, olhando para a copa das árvores. Sula? (...) 'A gente foi garota juntas', ela disse como se explicasse algo. 'Meu Deus, Sula', ela lamentou (...) Foi um pranto bom - alto e longo - mas não tinha fundo e não tinha cume, apenas círculos e mais círculos de sofrimento", página 189.

Quanto ao projeto gráfico, o livro traz uma capa que revela muito do que a narrativa posteriormente vem a confirmar. A ilustração de duas mulheres negras, uma com lenço na cabeça que logo se supõe ser Nel e a outra com flores no cabelo fazendo alusão à marca que Sula tem no rosto. E como arremate a imagem dos pombos fazendo alusão ao episódio do retorno de Sula a sua terra natal, marcando a transição da primeira para a segunda parte do livro. "Embora as pessoas em geral se lembrassem de uma época em que o céu ficava preto por duas horas, com nuvens e mais nuvens de pombos, e embora estivessem acostumadas aos excessos da natureza", página 109.

Já tinha interesse em ler Toni Morrison e para surpresa do Analítica a Tag Curadoria proporcionou esse primeiro contato. Essa leitura me instigou para conhecer posteriormente outras obras da autora e entender melhor seu estilo, sendo que na linha de frente da lista já se encontra O olho mais azul (1970) e Amada (1987)"A amizade delas foi tão intensa como repentina. Encontraram consolo na personalidade uma da outra", página 72. 



Por Analítica

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