quinta-feira, fevereiro 20, 2020

A bibliotecária de Auschwitz (Antonio G. Itube)




"Faz apenas alguns dias que Dita é a bibliotecária, mas parecem semanas ou meses. Em Auschwitz o tempo não corre, se arrasta. Gira a uma velocidade infinitamente mais lenta do que o resto do mundo", pág. 23. 

Título: A bibliotecária de Auschwitz
Autor: Antonio G. Itube
Páginas: 366
Gênero: Romance baseado em uma história real
Editora: Harper Collins

O romance 'A bibliotecária de Auschwitz' tem por cenário o campo de concentração de Auschiwitz localizado na Polônia, durante o período da Segunda Guerra Mundial, para onde Edita Adlerova e seus pais Hans e Elizabeth Adlerova são deportados. "Em Auschwitz a vida humana vale menos que nada, tem tão pouco valor que já nem se fuzila ninguém, pois uma bala é mais valiosa do que um homem. Há câmaras comunitárias onde se usa gás Zyklon porque barateia os custos e com um único barril dá para matar centenas de pessoas. A morte se tornou uma indústria que só é rentável se trabalharem por atacado", pág. 01.

A narrativa ressalta o cotidiano de outros personagens secundários e das pessoas com quem Dita passa a conviver no campo, a exemplo de Fredy Hirsch, Rude Rosenberg, a senhora Turnovská, a amiga Margit e sua irmã Helga, do professor Morgenstern e Mirian Edelstein.



A alternativa de se criar uma barracão infantil torna-se uma manobra do alto comando para manter as crianças entretidas enquanto seus pais trabalham no campo. "... desde que fosse um bloco de atividades lúdicas: estava terminantemente proibido o ensino de qualquer matéria escolar...manter as crianças entretidas num barracão facilitaria o trabalho dos pais naquele campo que chamavam de 'campo familiar' ", pág. 11 e 12. 

Ao conhecer Fredy Risch, ele lhe faz a proposta para ser a bibliotecária do barracão 31. "Mas é perigoso. Muito perigoso. Lidar com livros aqui não é brincadeira. Se alguém for pego pelo SS com livros, será executado" pág. 34. "O que tanto temem os implacáveis guardas do Reich são livros: livros velhos, desencadernados, desfolhados e quase desfeitos (...) sempre perseguiam os livros com verdadeira sanha. São muito perigosos, fazem pensar", pág. 13.

Desde então, Hirsch soube que ela cuidaria com esmero da biblioteca. "A menina tinha o vínculo que une algumas pessoas aos livros. "... se deu conta de que Dita tinha essa empatia que faz com que certas pessoas transformem um punhado de folhas num mundo inteiro só para elas. Mais do que uma bibliotecária desde esse dia ela se tornou uma enfermeira de livros", pág. 39.

Dita passa a preencher sua rotina com literatura, mesmo que essa tarefa tenha que ser em total sigilo. Afinal, esta é a forma que ela tem para passar o tempo. "Não era uma biblioteca extensa. Na verdade, era formada por oito livros e alguns deles em mau estado. Mas eram livros. Naquele lugar tão escuro...a presença dos livros era um vestígio de tempos menos lúgubres mais benignos, quando as palavras ressoavam mais do que as metralhadoras", pág. 36.

Em certo momento o enredo reporta a data de 15 de março de 1939, em Praga, local onde Dita morava, e quando foi rendida e deportada para o campo de concentração junto com a família. "Dita suspira agarrada aos livros. Ela se dá conta com tristeza de que foi nesse dia e não no de sua primeira menstruação que abandonou a infância, porque deixou de ter medo de esqueletos ou das velhas histórias de fantasmas e começou a temer os homens", pág. 20.

A tarefa diária de se dirigir aos fundos do bloco 31 para pegar os livros era uma ocupação prazerosa mas que exigia muito cuidado. E ela, muito habilidosa em sua função, usa de uma artifício sigiloso. "A menina espreme os livros contra o corpo e ao menos dessa vez, se alegra por não ter um peito avolumado. Seus seios infantis lhe permitem se acoplar aos livros discretamente. Seu braço dói por passar tanto tempo na mesma posição. Ela sente ferroadas, mas não se atreve a se mexer por medo de que os livros caiam no chão e façam barulho" pág. 27.

Um dos momentos mais tristes é relatado no trecho da morte do pai de Dita em condições precárias no alojamento. "Os que se vão, já não sofrem", assim a tentam consolá-la. "Dita abraça a mãe bem forte apertando-a. E sua mãe, por fim, chora", pág. 180. E também, posteriormente a morte misteriosa de seu amigo Fredy Hirsch, em 08 de março de 1944, passa a intrigá-la, principalmente pelo fato de ela não ter conseguido saber ao certo o que aconteceu, apesar das poucas oportunidades que teve para investigar.

Agora ela só tem a mãe e tem o dever de ficar perto e protegê-la. Quando acontece uma última seleção no campo de Auschwitz, ela e a mãe vão para o grupo de presas que ainda estão aptos a desenvolver algum trabalho. Elas comemoram por não terem sido selecionadas, como outras mulheres, para o grupo de não aptas, a qual destino é a quarentena, e consequentemente para serem mortas. 

Dita e a mãe, assim como outros presos foram deportadas para o campo de Bergen-Belsen, na Alemanha. É lá onde Dita reencontra a amiga Margit. A mãe e irmã de Margit não tiveram a mesma sorte, foram enviadas a quarentena e ficaram em Auschwitz. Nesse novo local, de Bergen-Belsen, as condições de higiene dos alojamentos não deixam de ser também miseráveis, e os presos costumam contrair 'tifo', doença infectocontagiosa bastante comum nos alojamentos dos campos de concentração. 

Um dos momentos que achei interessante, é quando a narrativa destaca uma conexão com outra história bem conhecida, a de 'Anne Frank', sob uma outra perspectiva. "A umas fileiras de distância de sua cama, duas irmãs com tifo estão perdendo a disputa pela vida. A mais jovem, Anne Frank se agita na cama, delirando em febre. Sua irmã, Margot, está ainda pior. As duas irmãs chegaram a Bergen-Belsen em outubro de 1944, vindas de Auschwitz e antes haviam sido deportadas de Amsterdã. Seus crimes: serem judias. Não resistiram às precárias condições nem ao tifo. Anne morre em sua miserável cama, na mais absoluta solidão, um dia depois da irmã", pág. 333. 

O fim da guerra em 1945, assinala um momento em que já não haviam quase esperanças para quem estava definhando nos campos de concentração, assim como a mãe de Dita que já estava muito doente. "A bibliotecária do bloco 31 começa a chorar. Chora por todos que não conseguiram chegar até ali...é a amargura da alegria", pág. 339. 

A escrita do autor não é cansativa e a narrativa sempre situa o leitor com detalhes do contexto histórico, como se pode confirmar nesse trecho: "O exército alemão se rendeu, Hitler se suicidou e os oficiais da SS se tornaram prisioneiros ou fugiram", pág. 342. 

Dita e a amiga Margit se despedem, mas desta vez fazem planos de se reencontrar e recomeçar uma nova vida em Praga. Mas a morte da mãe, deixa Dita sem rumo. Agora ela irá recomeçar sozinha. Ela reencontra com Ota Kraus, um velho conhecido dos tempos de Auschiwitz com quem fortalece os vínculos de amizade. Volta para Praga seguindo a orientação da amiga Margit. Tempos depois Dita se casa com Ota, se muda para Israel, em 1949 tem seu primeiro filho, também termina os estudos e mantem contato com Margit e sua família. O marido de Dita faleceu em 2006, mas antes escreveu um livro intitulado de "The painted wall" que conta vários relatos sobre a guerra.


Ao final da obra, "A bibliotecária de Auschwitz", o autor Antonio G. Itube revela com minúcia, desde a intenção de escrever o livro, do contato que ele teve com Edita aos 80 anos, na oportunidade em que ele adquiriu o livro de seu marido "The painted wall". Ele fala como foi esse encontro com ela e da experiência que teve ao lado de Edita e de ouvir seus depoimentos que posteriormente se tornaram fundamento para nortear e basear o enredo deste livro. 

Considero que essa obra destaca a força de uma menina que perdeu tudo em meio a guerra e teve que recomeçar sozinha, que teve a literatura como importante aliada para superar seus medos e ilustrar os momentos mais tristes. Ela venceu a guerra e teve uma segunda oportunidade para reconstruir sua vida. Se casou com uma pessoa que conheceu dentro do campo de concentração, teve três filhos, superou a morte de um e também do marido e mesmo idosa ainda não media esforços para divulgar a obra escrita pelo marido, fazendo sua parte para não deixar que relatos dessa história se perdesse.

Aprecio muito livros que se baseiam em histórias reais. Este livro, em particular, já estava em minha lista, desde que li o primeiro livro que relata sobre Segunda Guerra Mundial. Li e recomendo!

Texto e fotos: Analítica




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