segunda-feira, janeiro 03, 2011

Lapinhas: tradição e fé

O papel de madeira pintado e amassado cobre a estrutura formada com caixas de papelão. Aos poucos a peça ganha o contorno de uma gruta. Cactos, pedras e folhas de barriguda caracterizam a vegetação ao entorno. No ambiente que se cria cada um dos personagens dessa história assume seu lugar. São José, Maria, o menino Jesus, os três reis magos, bois, ovelhas, pastores, galos. O presépio está pronto.

Sizaltina Dourado de Santana, mais conhecida como dona Si faz lapinha há mais de 50 anos. Uma tradição que começou com uma brincadeira e se tornou devoção. “Desde pequena via a lapinha que minha madrinha Ana fazia. Me lembro feito hoje. Era uma armação no canto da parede de cima até embaixo. Cheguei em casa coloquei um caixote, umas bonecas. Só brincadeira mesmo, nem rezava. Quando casei em 1950 vim morar aqui na cidade. Então fiz uma promessa para o menino Jesus e fui atendida. Comecei a fazer o presépio e não parei mais”.

Dona Si relembra cada passo da montagem da lapinha, um processo que tinha início dias antes do Natal. “No dia 13, dia de Santa Luzia, um monte de moças e rapazes ia para os morros aqui em volta para pegar aquelas pedras de lapa para colocar nas lapinhas que eram montadas no dia 24. A cola que se usava para pregar os papéis era uma goma feita de tapioca. Serragem e pó de serraria, plantas, pés de arroz. Terminava colocando os santos. O menino só coloca depois da meia noite do dia 24”.

Nostálgica, dona Si fala com saudade da participação de muitas pessoas no trajeto seguido entre as dezenas de casas que costumavam fazer lapinhas, onde ela e outras mulheres faziam as preces na noite de 24. “Eram muitas casas. A gente saia da igreja entrava na casa da Maria, depois vinha para a casa de Sá Joana, da finada Dora, aqui em casa e seguia. As ruas ficavam cheias de gente, as pessoas iam de casa em casa rezando nas lapinhas, depois tinham os comes e bebes e assim varava a noite, ninguém dormia. Terminava lá no juazeiro na casa de mãe Joana – bairro Tangará. A diversão de Natal aqui eram essas lapinhas”.

Com a participação de poucas pessoas, ainda hoje esse costume é mantido, embora com roteiro bem menor. No dia seis de janeiro, dia de Reis após o meio-dia são realizadas as rezas nas lapinhas. No dia seguinte os presépios são desmontados.


Por Ana Lúcia Souza
Matéria completa publicada no Jornal de São Desidério

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