terça-feira, maio 18, 2010

Uma sessão da comunicação em São Desidério

“Não perca, não perca! Hoje no Cine União às 20 horas o filme: ‘Ela tornou-se freira’, com Teixeirinha e Mary Terezinha. Gênero, drama, musical”. Grita um garoto vestido de cartaz do anúncio e faz a divulgação pelas ruas. Corre o ano de 1978 e são pouco mais de quatro da tarde, de uma sexta-feira qualquer. Do Clube Santo Onofre, o único da cidade localizado em uma das poucas ruas de chão batido de São Desidério próximo ao rio, os auto-falantes instalados no teto anunciam a sessão do dia no Cine União, que aí funciona. O clube de propriedade do maestro Heliodoro Alves Ribeiro foi alugado em 1976 aos sócios, Demósthenes da Silva Nunes e Édio Antonio Alves Ribeiro, neto do maestro.

A cidade é pacata e as pessoas andam a pé o tempo todo. O único veículo que circula é o jeep de seu João Elói. Não há outro atrativo e por isso muitas pessoas, dos mais jovens aos mais velhos, dependendo da censura, freqüentam o cinema como uma diversão. O gênero mais pedido é o de bang-bang e por isso a notícia do filme de hoje não agradou muito. Um outro filme já havia sido anunciado e de última hora, não se sabe por qual razão, foi trocado pelas distribuidoras de Salvador.

Às 19 horas a bilheteria é aberta para vender os ingressos da sessão que começa às 20 horas. Os primeiros expectadores chegam e se aconchegam nos bancos de madeira. Como era de se esperar, poucas pessoas compareceram ao cinema quando souberam que o filme foi trocado. Geralmente o local costuma ser freqüentado por cerca de 80 pessoas. Mas algo inédito aconteceu no Cine União esta noite. Os olhos dos expectadores brilham diante da história dramática projetada por uma película em 16 milímetros. A repercussão foi inesperada. Quem não viu o filme pediu para repetir e assim, ele foi reprisado por 13 vezes.

Pela passagem do Dia Mundial da Comunicação, no último domingo 16, uma lembrança dos primeiros indícios de comunicação em São Desidério, a partir de sua emancipação política em 1962. Aos poucos a cidade que se comunicava apenas por meio de carta, telegrama e se informava pelas notícias veiculadas no rádio, passou a contar com o primeiro sistema de comunicação. O serviço de auto-falante 'A voz do progresso', implantado pelo maestro vindo de Angical, Heliodoro Alves Ribeiro em seu clube Santo Onofre, revolucionou a comunicação da cidade. No clube, foram instalados dois auto-falantes de grande alcance, o local foi escolhido porque naquela época existiam poucas residências, concentradas próximas ao Rio São Desidério. Por volta de 1966, na primeira eleição após a emancipação, o serviço de auto-falantes passou a ser usado em propagandas eleitorais e comícios. Nesse ano, Demósthenes da Silva Nunes, natural de Santana, Bahia, filho de Hortência Ferreira Nunes e de Sinésio da Silva Nunes – terceiro prefeito do município, já falecido, desempenhava a função de mestre de cerimônias oficial. Ocupou o cargo até setembro de 1976, período correspondente aos mandatos dos ex-prefeitos Manoel Rodrigues de Carvalho, Sinésio da Silva Nunes e Antonio Pereira da Rocha. “Tinha uma equipe para cuidar dessa parte de cerimonial e as apresentações, os palanques costumavam ser mesmo em cima de carrocerias de caminhões ornamentadas”. Em 1976, Demósthenes, assume juntamente com Édio Antonio Alves Ribeiro, falecido em 2009 em Angical, o serviço de auto-falante que passou a se chamar 'Serviço de Auto-falante do Cine União'. O nome justificava a projeção de filmes dentro do clube. Demósthenes explica que a ideia surgiu com a vinda de gringos e ciganos com circos que costumavam acampar por aqui em determinado tempo conseguindo reunir muita gente. “Divulgávamos festas, anúncios como falecimento e notas de utilidade pública. Eram dois auto-falantes. Um virado contra o outro e fixados numa haste de madeira no telhado do clube. O estúdio ficava logo abaixo onde existia uma máquina e um aparelho amplificador.

O filme chegava às sextas-feiras e às 20 horas era projetado. Tinha um retorno financeiro excelente e estava sempre lotado”, declarou Demósthenes. Em datas especiais, como do aniversário da cidade, era comum as pessoas participarem enviando cartas para pedir e oferecer músicas. Mas não seguia uma programação normal, o serviço estava sempre preparado para entrar a qualquer momento no ar. “A gente usava uma música como prefixo, abaixava o som e falava: neste horário entra no ar em edição extra, a voz do serviço de auto-falante Cine União com a seguinte nota. E no final: - O serviço de auto-falante a Voz do Cine União agradece a todos pela sua audiência e tenham uma boa tarde”, disse Demósthenes. Mesmo com a sessão iniciada, a grande procura fazia com que a bilheteria continuasse aberta. Geralmente eram projetados três filmes por semana, às sextas-feiras, sábados e domingos. Em tempo de campanhas políticas o sistema também passou a circular na zona rural por meio do auto-falante ligado a uma bateria de 12 volts em um carro.

Apesar de oferecer entretenimento à população, o Cine União funcionou até 1979. “Com o alto custo dos filmes que vinham de Salvador, fornecidos pelas distribuidoras Condor Filmes e Sergipe Filmes para o Cine Roma de Barreiras, que passou a não mais adquirir os filmes e fechou, e por isso não tinha como fazer os filmes chegarem aqui. Foi um impacto, as pessoas sentiram muita falta”, revela Demósthenes. Após a morte do maestro a família se desfez do clube e se mudou para Angical. O clube foi vendido e no lugar erguida outra construção. Hoje, ao ver um dos auto-falantes que guarda como relíquia dos tempos do serviço de auto-falantes do cine união, que ele garante ainda funcionar perfeitamente, Demósthenes relembra com emoção. “Essa peça eu guardo com muito amor, porque foi através dela que demos continuidade ao sistema de comunicação no município e do cinema. Tinha o prazer de ver o pessoal se divertindo. Até hoje gosto de assistir filmes de bang- bang”, completa.

Demósthenes ainda relata quando em São Desidério não havia energia elétrica antes de 76. “Tudo era escuro. Saiam rapazes e moças nas ruas com lanternas. Em noites de lua cheia, à meia noite eram feitas serestas com uma radiola. A energia era a motor e tinha postes de madeira nas ruas, que não satisfazia muito e a carga durava apenas por umas duas horas. Então o deputado Rui Barcelar pediu ao prefeito Antonio Rocha para ir em Salvador assinar um convênio e depois disso foi implantado um gerador aqui e postes de cimento”. Por volta de 1982 chegam os primeiros aparelhos de TV em São Desidério e em 1978, o telefone.

Por Ana Lúcia Souza
Texto publicado na 2ª Edição do Jornal de São Desidério

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