“...tinha de ser um criador de perfumes. E não apenas um qualquer. O maior perfumista de todos os tempos”. ‘O Perfume – a história de um assassinato’, é a obra escolhida do Dica de leitura do Analítica do mês de Agosto. De autoria do escritor Patrick Süskind, o livro é dividido em quatro partes. Tem por cenário a França no século XVIII e o enredo se desenvolve em torno do personagem central Jean-Baptista Grenouille, que nasceu no lugar mais fedorento de Paris em 17 de julho de 1738.
Desde o episódio de nascimento de Grenouille, narrado no início da história, o autor já deixa evidente, por meio de uma linguagem carregada de detalhes, as condições precárias que o personagem veio ao mundo. O nascimento de Grenouille ocorre atrás da banca de feira, onde a mãe costumava tratar peixes. “A carne ensanguentada que dela saíra não se diferenciava muito das vísceras dos peixes que já estavam atiradas pelo chão, e também não vivia mais muito tempo (...) contrariando as expectativas, a coisa recém-nascida começa a chorar debaixo da mesa de limpar peixe. Procura-se, encontra-se o bebê num enxame de moscas e entre vísceras e cabeças de peixe, é puxado para fora”.
O bebê é largado à própria sorte dias depois do assassinato da mãe. “Foi largado no Convento de Saint-Merri, na Rue Saint-Martin, batizado recebeu o nome de Jean-Batiste e entregue a uma ama de nome Jeanne Bussie, que passou a receber três francos por semana por seus cuidados”. Passados alguns dias a ama o devolveu ao convento alegando que aquele bebê não possuía odor próprio. Durante a infância foi vendido e também trabalhou como aprendiz de cortume e de perfumista. Mas a sua trajetória estava apenas no começo.
“O odor é a essência, e o que não tem essência não existe”. Partindo dessa máxima o autor direciona os destinos de seu personagem. O olfato aguçado era sua característica primordial e já na fase adulta, o convívio com algumas pessoas, a exemplo de Baldini – o maior comerciante de material aromático de Paris – uma oportunidade bastante especial tendo em vista que na Paris desse período só existia cerca de meia dúzia de perfumistas. E Grenouille, usando as técnicas que aprendeu, passa a criar perfumes e a buscar sua própria essência. “Pois Grenouille possuía de fato o melhor nariz do mundo, tanto analítico quanto também visionário, mas ainda não tinha a capacidade de se apoderar fisicamente dos cheiros ”.
O autor faz diversas intervenções sobre os odores da cidade de Paris, dos becos e vielas, do rio Sena, ao qual destaca que já fedia tanto que o seu fedor sobrepunha ao dos cadáveres. Outro destaque são as descobertas e experiências que vão assinalando o amadurecimento de Grenouille ao longo da narrativa. “Não demorou muito em tornar-se um especialista na área de destilação. Descobriu – e o seu nariz o ajudou mais do que o conjunto de regras de Baldini – que o calor do fogo tinha uma influência decisiva na qualidade do destilado. Cada planta, flor, madeira e cada oleácia exigia um procedimento específico”.
E a cada vez que aprendia ‘sua ambição era dominar o fugaz reino dos perfumes’. “Seu plano era produzir substâncias aromáticas completamente novas e com isso, criar ao menos alguns odores que carregava dentro de si”. Sua meta estava mais do que definida e Grenouille era muito persistente. “Seu plano era produzir substâncias aromáticas completamente novas e com isso, criar ao menos alguns odores que carregava dentro de si ”.
Sua obsessão na busca pelo perfume perfeito o levou ao desejo de se apossar do odor de uma moça, que ele considera ser diferente de todos que já havia sentido. Para isso, ele comete o primeiro assassinato para obter o perfume da vítima. “Já nem conseguia se lembrar da imagem da mocinha da Rue des Marais, do seu rosto, do seu corpo. Tinha preservado e se apropriado do melhor dela: o princípio do seu perfume”.
O caminho para alcançar esse sonho também é marcado por desilusões e frustrações do personagem. Grenouille se afasta das pessoas e de Paris, na tentativa de fugir do seu próprio passado. Nesse período ele percorre outras cidades como Auvergne, Montpellier e Grasse, de onde foge posteriormente após fazer outras 25 vítimas com o mesmo objetivo da primeira. “O que ambiciava era a fragrância de certas pessoas: daquelas, extremamente raras, que inspiram amor. Essas eram suas vítimas”. Após retornar a Paris Grenouille tem seu fim ao ser devorado por prostitutas e ladrões no Cemitério dos Inocentes.
Tive certa resistência em ler a obra no início, pois não tinha impresso em mãos e não sou muito adepta de ler livro em tela de computador, mas dessa vez não tive opções. Desde o início do livro e no decorrer da narrativa o autor aborda uma linguagem clara e objetiva, e não economiza nos termos ao reproduzir sensações e cheiros com fidelidade e tamanha precisão, que para mim, por vezes, tive a impressão de sentir os odores descritos dos lugares e pessoas ao longo do enredo. Penso que o autor quis brincar um pouco com esses odores e de certa forma quis fazer crítica quanto às condições de pobreza a qual se encontrava a maioria das pessoas, visto que a sociedade dessa época era organizada em Clero - Nobreza - Burguesia. E é nesse cenário de burguesia que o enredo se aprofunda mais, onde o autor descreve a economia, as condições sócio-históricas e a miséria da velha Paris do século XVIII.
Talvez o autor utilize o título ‘O Perfume’ numa tentativa para esconder essa imagem de fedores descrita ao longo da história. A busca pela ‘essência perfeita’ por Grenouille pode também ser entendida como uma esperança de melhoria e de busca por oportunidades que lhe foram furtadas desde a infância e que após conseguir alcançar certo renome, esse momento é passageiro e o desfecho de Grenouille é trágico, devorado por ladrões e prostitutas que eram vistos como a escória da cidade.
Curiosidades – A obra foi adaptada para o cinema com o lançamento do filme em 2006, com participação de Dustin Hoffman no elenco. O livro – que era preferido de Kurt Cobain, líder da banda Nirvana - também o inspirou a escrever uma canção para o do Álbum In Útero de 1993, intitulada “Scentless Apprentice” que numa tradução aproximada pode ser entendida como ‘Aprendiz de aromas/perfumista’, função desenvolvida pelo personagem principal do livro.
Palavras-chave: essência – olfato – odores – persistência – experiências – técnicas – Paris - assassinatos
Por Analítica
Foto: Divulgação
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