domingo, outubro 23, 2022

A ilha das árvores perdidas ( Elif Shafak)

 


"O amor é uma afirmação ousada de esperança". 

Em 'A ilha das árvores perdidas', de autoria da escritora turca Elif Shafak, o leitor conhece um pouco da história de Ada, filha do casal Kostas, descendente de grego, e de Define, descendente de turcos. Eles são migrantes da ilha de Chipre, marcada por um conflito étnico-religioso, e agora vivem em Londres.

"Faz muitos anos que deixei aquele lugar a bordo de um avião, dentro de uma mala de couro preto e macio, para nunca mais voltar. Desde então, adotei outro país, a Inglaterra, onde cresci e bocejei, mas não se passa um único dia em que não anseie voltar", pg. 11.

A personagem principal Ada, no decorrer da narrativa vai desvendando o passado dos seus pais. Ela tem a figura de uma figueira como testemunha e a história é contada sobre as duas perspectivas: de Ada e da Figueira. 

"Naquela tarde, enquanto nuvens de tempestade caíam sobre Londres e o mundo ficava da cor da melancolia, Kostas Kazantzakis me enterrou no jardim", pg. 29.

A trama é marcada por temáticas como o amor proibido, memórias, guerra e conflitos familiares e religiosos. A leitura é indicação do mês de setembro da Tag Livros Experiências Literárias (Curadoria), indicada pela curadora Adriana Ferreira Silva.

"Uma memória duradoura é uma maldição. Quando as idosas cipriotas desejam o mal a alguém, não pedem que nada de flagrantemente ruim lhe aconteça. [...] Elas simplesmente dizem: Que você nunca consiga esquecer. Que você vá para o túmulo ainda se lembrando", pg.  41.

Por Analítica




sábado, outubro 15, 2022

Relembrando memórias da infância e da pêta da Vó Si


Era um dia atípico. A vizinhança percebia de longe a fumaça do forno a lenha aceso bem cedo e todo o movimento na casa da vó Si, quando era dia de fazer biscoitos. Primeiro, era preparada a massa da pêta, a base de tapioca com óleo, sal e água (escalda) e muitos ovos. Lembro do barulho da vó batendo a massa com a mão, levantando-a e retornando ao grande tacho de alumínio em cima da paredinha da copa. Depois que a massa chegava ao ponto, passava certa quantidade de óleo para celar. 

Forno quente, bandejas untadas com óleo, a massa saía do tacho em pequenas porções num saco feito de tecido jeans com um furo na ponta. Aos poucos, a massa era pingada nas bandejas e ganhava formato de bolas e 'dedinhos'. A vó era bem rápida para preencher as bandejas, que iam ao forno, e eram retiradas com o auxílio de um pauzinho com um ganchinho na ponta. Ainda sinto o sabor do biscoito assado quentinho, que mergulhava na massa crua. 

A tarde, quando a última remessa de pêta saía do forno, era a vez de fazer o biscoito doce conhecido por ginête. Aí a meninada podia ajudar. As cadeiras espalhadas pelo quintal perto do forno, pequenos bolos de massa eram colocados nas formas caseiras, improvisadas em latas de sardinha, que depois de usadas, fazia-se ao centro um pequeno furo. A massa passava pelo buraquinho da forma, era cortada e recebia o formato de S ou de pauzinhos que preenchiam as bandejas para assar. Quando a vó não estava por perto, a molecada aproveitava e enchia as bochechas com pedaços da deliciosa massa crua. E quando ela percebia, nos repreendia alegando que esse era o motivo do ginete não render. 

Depois do ginête, com o forno menos quente, era hora de assar os bolos de puba e de milho. Colocava uma pequena porção numa forminha, e assava anteriormente para ter a prova de que a massa estava no ponto certo. 

Era o dia inteiro fazendo biscoito que eram guardados nas latas e servidos na época das lapinhas, nos festejos da cidade, quando chegavam as visitas, para as comadres e para os parentes de longe. Essas memórias são parte da minha infância e adolescência, acompanhadas de poesia e sabores que só quem viveu, sabe.

Por Analítica

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