segunda-feira, julho 26, 2021

O mapeador de ausências (Mia Couto)

 



"Não saber para onde fugir é tão triste como não ter casa". Ler 'O mapeador de ausências', de Mia Couto, é revisitar o passado, as lembranças, em busca de identidades, memórias, verdades, histórias, sentimentos na tentativa de escrever a própria história. 

Nessa obra, o poeta Diogo Santiago retorna a Beira, cidade de origem de seu pai, o poeta e jornalista Adriano Santiago, para receber uma homenagem. Nessa episódio ele tem a oportunidade de descobri o que acontecera no passado com o pai. 

Utilizando como escrita a prosa, Mia propõe um despertar para as nossas próprias vivências, um convite a escrita para que nenhuma parte da história seja perdidaEssa tentativa constante do poeta Diogo em resgatar o passado e a figura do pai, tornam-se elementos importantes que irão agregar ao seu novo livro. Para retornar a esse passado, Diogo conta com alguns artifícios, a exemplo de cartas, além de depoimentos de personagens que participaram da vida de Adriano e sua relação significativa na vida de outros personagens que povoam esse enredo e constitui uma colcha de retalhos. 

Paralelo a história central, o autor percorre o contexto histórico de guerra civil, dos massacres, sofrimentos e torturas que marcaram os mais de 450 anos de colonização portuguesa e a ditadura Salazarista, até o processo pela independência de Moçambique na década de 1970. O autor faz referência ao período da ditadura também vivido no Brasil. "Retirei da minha maleta um livro que os nossos serviços de censura tinham recolhido da livraria Salema. Tinha por título Capitães de areia e o autor era um tristemente célebre comunista brasileiro chamado Jorge Amado. Os livros desse escritor estavam proibidos na metrópole. Em Moçambique, porém, ainda eram vendidos, à socapa, pelos livreiros locais", páginas 260 e 261. A narrativa culmina destacando a passagem do ciclone Idai pela costa sudeste da África em 2019 onde deixou cerca de 700 mortos e atingiu principalmente a cidade de Beira.

A literatura é apresentada na obra como um refúgio, uma ponte entre memórias do passado com o momento presente, ao tempo em que o narrador personagem vai mapeando e decifrando as ausências, seja do seu pai e de outros personagens que foram apagados por esse contexto de guerra civil, e formatando os elementos que ele considera para construir, posteriormente, sua própria história. "Começou a escrever, sei que até já lhe enviou uma cópia dos papéis que lhe entreguei. E está aqui o manuscrito que ela está a terminar. Gosto do título O mapeador de ausências. E é dedicado a si, meu caro Diogo", p. 286. 

'O Mapeador de ausências' é a indicação de leitura da Tag Livros Experiências Literárias da edição de julho, mês de aniversário da Tag. É o primeiro contato do Analítica com o autor moçambicano Mia Couto, uma leitura marcante pelo contexto de história oral, a escrita poética e o modo de expressão do autor que exalta a literatura como uma via para resguardar as memórias, resgatar o passado para que a história não se perca. "Eles sabem: tudo o que não se converte em história se afunda no tempo", p. 287. 


Acima, registro do 23º Encontro online do grupo da Tag Curadoria Barreiras para discussão da obra O mapeador de ausências, ocorrido na noite de 16 de agosto de 2021.

Por Analítica

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