segunda-feira, fevereiro 08, 2021

'A mulher ruiva' de Orhan Pamuk e o 18º Encontro da Tag Curadoria Barreiras

 

"...romances históricos sobre as aventuras de guerreiros otomanos e um livro sobre sonhos. Uma passagem deste último haveria de mudar minha vida para sempre", página 15. A mulher ruiva, de Orhan Pamuk, primeiro livro de 2021 indicado pela Tag Livros Experiências Literárias que tem por curador Milton Hatoum, é a obra que norteou as discussões durante o 18º Encontro da Tag Curadoria Barreiras realizado em formato virtual na segunda-feira, 08 de fevereiro. Como um de seus associados, o blog Analítica participou do encontro. 



Este é o primeiro contato do Analítica com o romancista turco Orhan Pamuk. A obra em três momentos e logo na narrativa inicial é possível entender que trata-se de um relato de memória em que o narrador Cem Çelic conta sua própria história que começa na cidade de Besiktas. Ao receber o kit de janeiro da tag Livros, logo chamou a atenção o projeto gráfico da obra, uma capa em tom vermelho com uma ilustração curiosa.

Partindo do ano de 1984, a primeira parte relata a infância e adolescência de Cem. Sua convivência na farmácia da família, a relação com os pais, as conversas partidárias dos amigos do pai em sua casa, perseguição política, prisão e ausência da figura paterna, as dificuldades financeiras, o primeiro emprego na livraria e o sonho de ser escritor. Ao concluir o Ensino Médio ele deseja entrar para a universidade, mas se muda para Gebze com a mãe onde passam a morar de favor na casa de uma tia. Sua história começa a mudar ao trabalhar em um pomar, onde ao observar operários que estavam abrindo um poço conhece o mestre cavador de poços Mahmut e surge a proposta de ser aprendiz de cavador de poços em uma cidadezinha chamada Ongoren. Com o mestre ele desenvolve uma relação de confiança como se fossem pai e filho e Mahmut o trata como 'pequeno gentleman'. Por vezes Cem conta histórias da mitologia grega ao mestre, que fica impressionado com a tragédia de Édipo Rei. 

De dia cavando poço, à noite, passeios na cidadezinha de Orgoren. Nesse contexto entra em cena a figura da Mulher Ruiva, que estava de passagem na cidade com uma trupe de teatro. Ela se torna o principal pretexto para Cem ir todas as noites à cidade. "Havia alguma coisa estranha e muito fascinante naquela mulher", página 34. Uma dessas noites lhe reserva o primeiro contato com a tal ruiva, que é casada e também demonstra interesse no garoto. Um dos momentos mais marcantes destaca a primeira noite de amor entre o garoto de 16 anos e a mulher ruiva que aparentava ter quase o dobro de sua idade.  A primeira parte termina após o acidente do mestre no fundo do poço e a fuga de Cem para sua terra natal, Istambul, sem saber se o mestre está vivo ou morto.

Longe de seu ofício de 'aprendiz de cavador', Cem agora é promovido a gerente na livraria Deniz e cursa faculdade de geologia. "Por isso escrevi na ficha de inscrição 'geologia'. Minha mãe notou que o aprendizado com o cavador de poços deixou uma espécie de marca em mim", página 141. Nessa segunda fase temos um Cem constantemente perseguido por um sentimento de culpa, episódio que o faz voltar a comparar sua própria história com a mitologia grega, na figuras de Édipo Rei, e turca, através dos lendários Rostam e de seu filho Sohrab, personagens do livro de Shahnameh. 

Algumas reviravoltas marcam a trama de Cem no decorrer dessa segunda fase. Ele se casa com Ayse e juntos fundam uma grande empresa empreiteira qubatizam de Sohrab, nome em alusão ao filho que não conseguiram gerar. A reaproximação, morte do pai e a descoberta de que ele também tivera um envolvimento com a mulher ruiva anteriormente. O surgimento de um bilhete que ele recebe de alguém que assina como seu filho e que após investigação tem resposta positiva de um teste de paternidade. O retorno a cidadezinha de Orgoren para fazer negócios e ao mesmo tempo conhecer o filho. A informação de que de tanto insistir em cavar mestre Mahmut enfim encontrou água naquele poço e que morrera rico, e o reencontro com a mulher ruiva que o revela que é pai do jovem poeta Enver, um aspirante a escritor. "Ele é obstinado e conhece a própria mente, mas também é prepotente. O que lhe falta é uma forte figura paterna que o oriente", página 230.  

Muitas surpresas reservam o encontro entre Cem e seu filho e o desejo de vingança é visível no tom do garoto. "Para vingar mestre Mahmut...para fazer você pagar por ter seduzido minha mãe...", página 255. A tragédia que encerra a segunda parte do livro responde ao prenúncio da ilustração da capa do livro: o filho mata o pai com um tiro no olho parafraseando a morte de Rostam por seu filho Sohrab. "A vida imita o mito", página 287. 

Já no início da terceira parte o autor engana o leitor acerca de quem é o narrador dessa última fase. A narrativa segue por outra perspectiva que a princípio parece ser sob a ótica da mulher ruiva mas que entende-se tratar do relato do próprio filho Enver, que na prisão escreve sua própria versão dos fatos como tentativa de que essa dissertação seja favorável à sua liberdade. Também no trecho final do livre achei interessante a frese em que o autor faz uma referência a narrativa inicial, como se fosse também um dos fundamentos utilizados por Enver e que contribuiria para inocentá-lo. "Assim, todo mundo, e não apenas o juiz, vai entender o que você está procurando dizer. Lembre-se: seu pai também sempre desejou ser escritor", página 294. 

Desde o início e diante das constantes referências às tragédias citadas já se poderia imaginar o final que o livro reservava. A figura da mulher ruiva como manipuladora de toda a história, o seu envolvimento primeiro com o pai depois com o filho Cem, de sua ambição que de certa forma influenciou nas atitudes do filho, que já sofria a ausência paterna, contribuiu também para o desejo de Enver se vingar do pai. Achei criativa a trama construída. Não gostei muito da primeira parte, a narrativa é um pouco repetitiva e cansativa até metade da segunda fase, quando a história ganha mais corpo e tudo vai se encaixando e fazendo sentido às constantes inserções do autor ao citar Dostoiévski, Édipo Rei, Rostam e Sohrab e principalmente por dar margem para o leitor viajar na imaginação. 

Palavras-chave: Escritor - Aprendiz - Poço - Geologia - Pedofilia - Memória - Passado - Sucesso - Ambição - Castigo - Mitologia - Real - Vingança.      



Por Analítica

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Morro de São Paulo, Bahia

Outro destino escolhido pelo Analítica foi Morro de São  Paulo, Bahia.  Localizado na Ilha de Tinharé, distrito da cidade de Cairu, Morro de...