terça-feira, maio 25, 2021

O pássaro secreto (Marilia Arnaud)

 


"Talvez esse lugar seja aqui, onde estou agora, submersa na essência do silêncio a entoar uma canção sem melodia nem palavras, livre do peso do meu próprio corpo, livre de mim mesmo", p. 09.

Uau! Que livro maravilhoso e que história intensa! Em 'O pássaro secreto', o leitor encontra uma escrita simples e ao mesmo tempo poética, agradável de ler, e muito envolvente. 

A obra, vencedora do Prêmio Kindle de Literatura 2021, de autoria da paraibana Marilia Arnaud, é o primeiro contato do Analítica com a escritora e indicação da Tag Livros de maio, em homenagem ao mês dedicado a Literatura Brasileira. Narrado em 1ª pessoa, conhecemos Aglaia Negromonte, que nos conta suas próprias vivências, angústias, medos, ansiedade, carências, tristezas, desilusões, injustiças, ciúmes, revolta e decepções.



Há presença de fortes relatos marcados por distúrbios alimentares, de transtorno de ansiedade e depressão da personagem central que se agravam, quando Aglaia vê sua rotina alterada com a chegada de Thalie, fruto de um relacionamento extra-conjugal do pai Heleno Negromonte. "Éramos um conjunto de cinco, meu pai, minha mãe, Eufrosine, Heitor e eu, e não mais do que de repente nos tornamos seis. Em sua perfeição, a matemática não explicava Thalie", p. 32.

A obra traz uma narrativa que lembra os moldes de um diário, e nos presenteia com depoimentos de 'memórias afetivas'. Algo marcante são os relatos de Aglaia a respeito de seu relacionamento próximo com avó Sarita e das recordações vividas no sítio Saudade, passagens que agregam descrições minuciosas com poesia, ternura, cumplicidade que faz a gente sentir como se estivesse lendo algo muito familiar, que já vivi. 

"No monitor ao lado da cama, umas ondinhas eletrônicas mostravam o ritmo pulsante do seu coração. Um coração que a qualquer instante poderia deixar de funcionar. E a menina que eu era sabia que corações se cansavam de bombear sangue e, quando isso acontecia, não perguntavam a seu dono se era hora de parar. Simplesmente paravam. Eu não fazia ideia de como sobreviveria sem minha avó em um mundo de tantos perigos e desafetos. [...] O certo é que avós de meninas como eu não deveriam morrer nunca. Aproximei-me e segurei-lhe uma das mãos [...] como o rosto de alguém que não reconhece quem está á sua frente. Sorriu-me brevemente, mas em seus olhos havia uma bruma, a dos olhos dos cegos, e eu me perguntei se era por ali que a vida escapava", p.176.

De repente Aglaia começa a perceber que sua relação com a avó e principalmente com Demian, o amigo que ela amava, ser abalada com a presença de Thalie, assim como tudo a sua volta, que parece ter desestabilizado com a chegada de sua irmã. "Por que as coisas que mais tememos que aconteçam, acontecem sem que possamos fazer nada para evitá-las?", p. 131.

O livro traz reflexões sobre a percepção de mundo de Aglaia, que hora se comprimi diante das injustiças que não lhe agradam, hora tenta chamar atenção de todos a sua volta, mesmo que de formas absurdas. Aglaia muitas vezes pensa que tudo gira em torno de si, não aceita mudanças, não aceita dividir a atenção e confiança das pessoas mais próximas, que as coisas simplesmente são como são e que muitas vezes não se pode mudar algo só porque não gosta, e por também se cobrar pelos erros dos outros ou sobre aquilo que acha ser errado, e por isso ela tem um senso de fazer justiça. 

Apesar do fim que teve Aglaia, como tudo transcorreu e de como ela mesma contribuiu para que fosse assim, penso que Aglaia só queria ter sido mais ouvida, compreendida e melhor acolhida pela família e amigos, assim como milhares de pessoas que passam pelos mesmos problemas que ela, e fazendo alusão da situação de Aglaia com uma máxima que vi em um filme, 'muitas vezes a dor precisa ser compartilhada para ser compreendida'

No final há uma descrição revela qual pássaro secreto se trata o enredo e sua relação com a personagem. "Morrer não doía nem um pouco. Ainda estou aqui. Sou uma Fênix. Ardi no fogo e ressurgi na pureza das minhas próprias cinzas", p. 266.

Gostei muito do livro e da escrita da autora, e também do projeto gráfico. A cor vibrante da luva em contraste com a capa do livro em tom preto que traz uma ilustração de uma mulher e de pássaros, logo remetem à figura de Aglaia, algo que complementa muito a história. O livro influenciou a conhecer outros livros da autora, Marilia Arnaud, a exemplo de 'Liturgia do fim' e para ler mais sobre Literatura Brasileira. Li e recomendo!



Para a produção das fotos, usei como plano de fundo, árvores e ambientes característicos da Orla da Barragem em São Desidério.

Por Analítica

Morro de São Paulo, Bahia

Outro destino escolhido pelo Analítica foi Morro de São  Paulo, Bahia.  Localizado na Ilha de Tinharé, distrito da cidade de Cairu, Morro de...