Avó é como segunda mãe. A vó Si, tem 16 netos e 13
bisnetos. Lembro-me de quando ainda pequena costumava
brincar na casa de vó com minhas primas. O quintal cheio de plantas, o pé de
manga onde costumávamos subir escondidas e das aulas de ponto de cruz com a
mestra, uma das mais exímias bordadeiras de São Desidério. Uma arte que ela
mesma fez questão de passar para as netas. As primeiras aulas eram reservadas a
pequenos pedaços de tecido denominado ‘etamine’, que aos poucos era preenchido
com desenhos que ganhavam formatos de pequenas laranjas, maças, losângulos,
flores entre outros. A vó cobrava que o avesso do bordado fosse limpo, só
depois disso é que começávamos a fazer outros bordados em guardanapos, panos de
pratos e posteriormente também a bordar nossos próprios nomes em toalhas de
banho, fase que já assinalava progresso.
Aquelas que se dedicaram mais a essa arte,
alçaram bordados em almofadas, caminhos de mesa, panos de fogão, entre outros
para vender. Mas talvez o sonho das netas nessa fase de aprendizagem, seria
dominar bordados maiores, a exemplo das enormes toalhas de mesa, chamadas de ‘banquete’
que só a vó e sua perfeição ao ofício, fazia dedicar longos meses de trabalho.
Uma das características de seu bordado é que o fazia com amor e muita dedicação
e por esse motivo ela costumava receber muitas encomendas da cidade, de outros
municípios e até mesmo de outros estados. Até hoje ela relata: “Aprendi a fazer
bordado desde menina, quando tinha 13 anos”. O bordado em ponto de cruz sempre
deu o tom da ornamentação na casa da vó. Seja por sobre o fogão, da mesa da
sala, das prateleiras, do aparador do filtro, na velha máquina de costurar
encostada na parede da copa.
Ah! E como esquecer as lapinhas. Crescemos vendo vó
montar o presépio na primeira sala da casa. Dia 24 de dezembro era um movimento
na casa da vó. É só fechar os olhos e ainda sinto o cheiro da cola que ela
fazia com a tapioca utilizada para fixar o papel no antigo girau de madeira, que
era preenchido com as plantas, a areia e os santos para enfeitar o presépio. Era
feita toda uma preparação para a reza da lapinha. Uma delas, a que eu mais
gostava, era do dia em que eram feitos os biscoitos ou pêtas, num forno à lenha
que havia até a algum tempo atrás no quintal da casa de vó. Depois da aula
íamos para a casa da vó para comer a pêta quente molhada na massa crua. Depois
que as petas ficavam prontas era a vez de reunir o pessoal para ajudar a fazer
o ginete, um biscoito doce. Esse era o momento mais esperado. Sentadas em uma
roda, cada uma com sua devida fôrma e um bolo de massa crua de ginete em mãos. À
medida que dávamos formato ao biscoito na bandeja sobre o colo e na ausência da
vó, essa era a oportunidade para saborear disfarçadamente a deliciosa massa doce.
E quando a vó voltava, lá estávamos nós com as bochechas alteradas. E ela nos
repreendia:
- Vocês estão comendo a massa do ginete tudo! Por
isso que o ginete não rende aqui! Riamos disfarçadamente.
Acometida pela osteoporose em uma das pernas,
enfermidade que a fragilizou por anos, esse é um dos motivos que a fez ficar
hospitalizada após uma queda, em julho de 2016. Foram mais de 60 dias em que
vivemos momentos de tristeza que por vezes eram convertidos em alguns episódios
de comédia que nortearam o drama da vó no hospital. Das vezes que ela queria pular
da cama, de não dormir e não deixar os acompanhantes dormirem, de pedir para ir embora
o tempo todo e no dia definitivo para voltar para casa não querer ir embora.
Após vencer três pneumonias nesse período de internação, e apesar da sua
limitação motora que a impossibilita de caminhar, sua força a fez superar essa
fase e retornar para o seu lar em setembro do mesmo ano.
A cabecinha branquinha, voz tranquila, vó é dona de um dos sorrisos mais contagiantes. Na rua Dr. Valério de Brito, número 74, na casa de cor amarela ao lado do Centro Cultural, a imagem de uma senhora sentada em sua cadeira de fita, os pés sobre uma almofada, do lado de dentro da porta é convidativa para uma boa prosa que possa talvez lhe arrancar, uma de suas altas gargalhadas.
A cabecinha branquinha, voz tranquila, vó é dona de um dos sorrisos mais contagiantes. Na rua Dr. Valério de Brito, número 74, na casa de cor amarela ao lado do Centro Cultural, a imagem de uma senhora sentada em sua cadeira de fita, os pés sobre uma almofada, do lado de dentro da porta é convidativa para uma boa prosa que possa talvez lhe arrancar, uma de suas altas gargalhadas.
Texto e fotos: Analítica
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