Da porta lateral que dá acesso à cozinha sai uma senhora de cabelos brancos, pele alva, voz aguda e tronco curvado pela idade. Ela caminha em direção a copa apoiada em uma bengala e senta em uma cadeira de repouso acolchoada. Uma roda de fiar fica ao seu lado esquerdo, onde descansa uma caneca e alguns remédios. Em cima da mesa, garrafa de café, xícaras, o Evangelho segundo o Espiritismo de Alan Kardeck e o velho rádio.
“Todos os que chegam aqui me contam o que acontece lá fora na cidade. É por meio desse rádio que fico sabendo as notícias do Brasil e do mundo”, declarou. Maria Salomé tem uma rotina inalterada. Prioriza a mesma sequência todos os dias: acordar cedo, tomar o café e ler o evangelho, assim como o banho, em dias frios às 13 horas, e quando o tempo está mais quente às 16 horas.
Foto: Ana Lúcia Souza |
Nasceu em 23 de setembro de 1920 em Roçado Velho, localidade de São Desidério, onde viveu com a mãe Julia Pereira da Cruz e os cinco irmãos até os dez anos. O pai ela não conheceu. Casou-se com Roberto Pereira dos Santos, natural de Santa Maria da Vitória, conhecido de sua infância e não teve filhos. À pé, saíram de São Desidério em 25 de julho de 1940 chegando ao Goiás no final de setembro deste ano.
Trabalharam em muitos lugares e assim se passaram 28 anos, até regressarem a Bahia com outras três famílias, chegando em São Desidério em 19 de setembro de 1969. “Era o dia de festa da Padroeira Nossa Senhora Aparecida. Tinha muita gente na rua. Graças a Deus até hoje eu estou aqui”, sentenciou.
Mas foi na feira livre que Maria Salomé se tornou popular. A feira era o principal meio de sobrevivência, onde ela costumava vender café com bolo e posteriormente almoço. A barraca de Maria Salomé tinha um diferencial. Com muita criatividade ela mesma engrenou o planejamento de um fogão improvisado no meio da feira. A comida era feita na hora e vendida em prato feito. “Cozinhava bem sem saber”, gava-se. A atividade rendia pouco dinheiro e durou até 1976. “Do quê vamos viver agora?” Perguntou o esposo. “Do jeito que Deus quiser”. Retrucou a esposa.
Engenhosa, Maria passou a comercializar doce de leite caseiro e depois bananas, na feira e em casa. “A primeira sala e um quarto costumavam ficar cheios de cachos de banana. Muitas pessoas vinham aqui em casa para comprar”, completou.
E assim relembra ‘Maria, aquela que vende banana na feira’. Alegria é uma das marcas de sua personalidade. É na cadeira de repouso, ao lado da velha roda fiar e do rádio, onde Maria Salomé, para quem não falta assunto nem ouvintes, passa a maior parte do tempo, ‘do jeito que Deus quer’, pacientemente a conversar com quem chega, e contar histórias, muitas histórias.
Por Ana Lúcia Souza
Texto publicado na 6ª Edição do Jornal de São Desidério
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