"Quando cheguei em casa era 22H30. Liguei o rádio. Tomei banho. Esquentei comida. Li um pouco, não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem", p. 24. A obra 'Quarto de despejo - Diário de uma favelada', de Carolina Maria de Jesus, adquirida de um sebo, marca a 21ª leitura do ano do Analítica.
O diário traz as memórias da catadora de papel Carolina Maria de Jesus, e seu cotidiano na favela do Canindé, primeira grande favela de São Paulo às margens do rio Tietê, no período dos anos 1950. "Espero que 1960 seja melhor que 1959. Sofremos tanto no 1959, que dá para a gente dizer: Vai, vai mesmo. Eu não quero você mais . Nunca mais!", p. 191.
Carolina expõe o contexto histórico e político da época, destacando a situação de miséria vivida pelos habitantes da favela, a exemplo da fome, violência, desemprego e falta de saneamento básico. "O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer".
A autora revela suas dificuldades, anseios e a condição de mãe solteira para sustentar os três filhos: João José, José Carlos e Vera Eunice. Os depoimentos são marcados por relatos emocionantes como este: "Fiz café para o João e o José Carlos, que hoje completa 10 anos. E eu apenas posso dar-lhe os parabéns, porque hoje nem sei se vamos comer", p. 106. Ou ainda neste: "...porque a fome é a pior coisa do mundo...eu disse para os filhos que hoje nós não vamos comer. Eles ficaram tristes", p. 186.
Carolina cursou até o segundo ano do Ensino Fundamental, e o hábito de ler e escrever faz parte da rotina da catadora que sonha em publicar os escritos de seus cadernos. "Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo", p. 22.
OBS: Por intermédio do repórter Audálio Dantas, que a conheceu durante uma reportagem na favela do Canindé, ele tomou conhecimento que ela escrevia um diário. O jornalista apresentou seus textos a um editor que os publicou. 'Quarto de despejo - Diário de uma favelada', é uma obra atemporal, considerada um best-seller do Brasil e traduzida para 13 línguas. Sua publicação rendeu alguma fama e dinheiro à autora, mas não o suficiente para fugir da pobreza e ser esquecida pela imprensa, vindo a falecer em 13 de fevereiro de 1977 em um sítio na periferia de São Paulo.
Por Analítica